20080427

IP, Spam

Confirmado. Era o IP. O Speedy com seu IP dinâmico e surpresa. Agora funciona e eu acesso qualquer coisa do Blogspot. Inclusive o meu blogue.

Se você está lendo isso, significa que seu IP não é um Spam IP.



Vade retro, Velha Surda!

Eu, Spam.

Quando eu tento acessar qualquer blogue do blogspot, inclusive o meu, recebo a seguinte mensagem:



Apaguei cookies e tudo. Não ajudou nada. Vou desconectar e voltar porque provavelmente é o IP que o Speedy pegou ou coisa assim.

Mas eu me lembrei, instantaneamente, daquela comunidade, Eu acho que sou um SPAM cuja descrição abrange aquelas imagens dificílimas para diferenciar se você é uma máquina ou gente mesmo. Não é sempre mas a maior parte das vezes eu fico em dúvida e arrisco mas, me deparo com "A seqüência digitada não corresponde com a imagem exibida. Favor, tentar novamente" e é de foder porque aparece outra seqüência diferente.

E não é apenas em verificações virtuais que me deparo com a possibilidade de ser Spam. Se eu fosse um spam, na vida real, provavelmente seria um da Velha Surda porque não é possível. Em um exemplo recente, ontem eu estava comendo algo com uma amiga, no Habib's, antes de seguirmos para a Virada Cultural. Ela me contava sobre a sua cabeleireira.

— E ela é uma mulher que além de cobrar barato pelo corte, tem uma vivência incrível, ela conhece de tudo, de filmes a música e tudo o mais mas, olhando pra ela você não diz.
— Por que?
— Ela é negra, gordinha, com cabelão comprido e saia longa, parece uma dona-de-casa comum mas, já viajou pra fora e tudo, até. E ela tem uma filha, que é paralítica.
— Como é? — perguntei meio estarrecido.
— Paralítica, ela tem um problem--
— Ah! Ufa, paralítica! Menos mal!
— Menos mal?!
— Não! Não é isso! É que eu entendi que você tinha dito que a filha dela era "paraíba" e eu pensei "meu deus, eu não sabia que a Flávia tinha esse preconceito".
— Hahahahahahahahahah!
— Hahahahahahahahah!
— Mas não, imagina. Ela é paralítica mesmo.
— E eu sou meio velha surda.



Eu, Spam.

20080423

O tal Terremoto - II

Placas tectônicas o caralho. Certeza que o Terremoto foi alguma ação em comemoração ao Dia Mundial da Terra, que, coincidentemente, foi ontem.

Se a ação foi publicitária ou geológica ("espontânea") eu ainda não sei dizer.

O tal Terremoto

Ocorreu um terremoto, é o fim do mundo. Fala-se em Tsunami. Um especialista diz que não há a possibilidade de Tsunami. Então, fala-se que também não havia probabilidades de um terremoto de 5,2 graus. Não sei, li a notícia e pensei "tudo bem. O que se há de fazer?" e aí, no site da Folha há algo muito melhor que a notícia em si.

São os "relatos dos leitores sobre o terremoto que atingiu o país". Não li todos ainda porque quero guardar algo para um dia cinzento (ou de terremoto!) mas isso vale ouro! Relatos como os devaneios dessa gente bonita que canta e grita:

"Trabalho há 15 anos num escritório que fica no 12º de um prédio da Rua Pamplona. Já é o terceiro 'terremoto' que vivencio. Na primeira vez, achei que era uma vertigem até descobrir, através do site do UOL, que tinha havido um tremor. Da segunda vez --a idade traz mais medo-- achei que o prédio podia estar caindo! Hoje à noite estava, como sempre, trabalhando no computador. A impressão que tenho é que a cadeira começa a se balançar e sempre fico em dúvida se sou eu que estou um pouco tonta ou se realmente é um tremor. Nunca tinha sido tão longo quanto hoje. A sensação é estranha, mas as coisas não se mexem: papéis, copos, lápis, nada do que estava na mesa se mexeu."


Ou, o relato sobrenatural de Waléria Branco:

"Eu estava em meu computador e senti a mesa do computador tremer meio forte quase andando, acho que alguns minutos depois das 21h. Neste mesmo momento um amigo escreveu que o prédio dele tinha tremido que poderia ser um terremoto e eu ate ri, mas falei que o meu computador tinha tremido forte e ate pensei que era algo espiritual pois estava brigando com minha mãe (apesar de não acreditar em espíritos né)."


Ou a sensação de Guilherme Pereira Mendes:

"Em Campinas (Parque Itália perto do centro), por volta das 21h, foi sentido o tremor que durou alguns segundos, dando a sensação que eu estava com vertigem e tremeu o chão e o arquivo de pastas suspensas, ao lado do meu computador onde senti a sensação. Sensação horrível. Gostaria de saber os motivos e como nos defender desta manifestação da natureza."


Ou ainda a Hollywoodiana decepção de Amir:

"Estava trabalhando no computador quando achei que estava balançando. No início pensei que estava passando mal, mas depois reparei que o fio espiral do telefone, que sai do aparelho, fica pendurado no ar e volta ao monofone, estava balançando. Saí correndo pela casa à procura de outros indício do tremor, e quando cheguei na área de serviço vi o cesto da máquina de lavar roupa balançando. Só estranhei que os cachorros estavam quietos, achei que no caso de um tremor ficariam todos latindo sem parar."


Enfim, cada lugar tem depoimentos sensacionais, uns melhores que os outros. Sem falar em erros crassos de português (falta de acentuação ou excesso dela [li um algúns que me fez questionar ainda mais o sistema de educação]) ou ainda, todo mundo erra e tudo mas pomba, é no site da Folha de S. Paulo! Não há um editor responsável para corrigir esse tipo de erro ou a idéia é deixar os erros pra parecer que é autêntico?

Falando em autenticidade, honestamente, muitos relatos começam com "Aqui também tremeu", "Estou comunicando que", "Senti o tremor", etc. etc. Fora de brincadeira, como é isso? Essas pessoas ligam ou mandam e-mails à Folha de S. Paulo pra falar do terremoto ou é o jornal que sorteia números de telefone e perguntam "Oi, e aí? Tremeu?"? Porque a notícia diz que "Se você sentiu o tremor de terra, envie seu relato para a Folha Online por meio do e-mail enviesuanoticia@folha.com.br" e, obviamente, é hora de anunciar coisas de graça. Segue modelo (É só preencher as lacunas!):

"Aqui em ____________ também tremeu! Senti o chão balançar e culpei a marvada. Fiquei preocupado pois estou vendendo um _____________ em estado de novo e ele não sofreu nenhum arranhou, continua lindo. Lembro que minha vizinha ficou muito assustada e achou que seu telefone não conseguia fazer ligações. Ela gritou em meu portão "___________, qual o seu telefone? Preciso fazer um teste!". Eu falei "Meu telefone é (__) _____-_____!" ao que ela respondeu "Estou tão assustada! Vou testar meu telefone ligando pra você agora, tudo bem?! Ei... belo _____________!"


Da maneira como eles estão revisando os textos, é batata!

20080421

A Indefinição do Amor

      De tempos em tempos o ser humano se vê em questões que não há uma resposta. Há diversas. Nem todas são adequadas nem são inadequadas. São questões que dependem de cada pessoa, da experiência pessoal de cada um. Posso citar agora sem pestanejar algumas delas que você poderá responder com prontidão com base em seus preceitos científicos, religiosos, pessoais, políticos ou cotidianos. Qual o sentido da vida? Qual o sentido da morte? O que é a beleza? O que é moralmente certo? Quantas pessoas você vai amar na sua vida? Existe, afinal, o amor? São questões que não têm uma resposta definitiva. Sua resposta hoje não é exatamente a mesma de um ano atrás e nem será em seis meses. Ou em vinte minutos. Há alguns dias, em uma discussão entre xícaras de café sobre inabilidades, citei minha total incapacidade em lidar com o que eu acreditava ser uma das únicas certezas de nosso mundo, a Física, exceto claro, que a gravidade equivale a dez metros por segundo. O que isso significa eu não exatamente sei, mas ainda que eu não compreenda com clareza, está lá. E um rapaz disse que a única coisa que ele tinha aprendido na Física era que tudo dependia de um referencial e, mais que isso, levou essa lição para sua vida. Tudo depende de um referencial. E esse referencial é uma variável mutante, uma lente que ao se voltar para um determinado ponto, projeta automaticamente uma nova e diferenciada perspectiva. Particularmente, não gosto do termo pois sempre soa tão generalista, burro e já em tom de desculpas, mas é como dizem: É uma questão de ponto de vista. Veja você, leitor, como soa feio dizer "questão de ponto de vista" ou "mas é meu ponto de vista"? Não existe tal coisa na verdade. Ou ainda, existe e é redundante. Me desculpem os neutros ou fracos de opinião, mas qualquer coisa que você diz é seu ponto de vista, é a sua opinião. Eu quero dizer, não pode ser a opinião ou ponto de vista de mais ninguém, certo? É como quando se diz que não se discute religião ou política. Um absurdo, é claro que se discute religião ou política! Digo que não é educado fazê-lo em um primeiro encontro, mas superadas as formalidades, o que impede alguém de discutir tais assuntos? Provavelmente será uma discussão em vão, uma vitrina de pontos de vista que resultará em duas pessoas firmes às suas convicções, porém e aqui é onde eu quero chegar, com maior consciência das convicções alheias. É um tempo de tamanho egoísmo e valorizações unilaterais nos piores dos sentidos, impulsionados pela assepsia da moral que ainda me surpreendo ao me surpreender em como as pessoas não conseguem ver valor em olhar às outras e aprender com pessoas igualmente diferentes. Não defendo um esquecimento do ser humano como criatura única, mas a consciência de que o único é bom e entender o que torna a outra pessoa tão única só enriquecerá a sociedade. E esse referencial pode ser científico, religioso, pessoal, político ou social. Separadamente e todos juntos ao mesmo tempo. Além de inúmeros outros que são levantados ou derrubados em cada situação. A cada segundo.
      De volta às questões iniciais, há uma que eu gostaria de tentar responder aqui com você. A última questão, no caso. Existe o amor? É uma questão difícil porque remete a linhas fisiológicas, instintivas, filosóficas, abstratas e pessoais. Mais uma vez sobre os referenciais (prometo que deixarei isso de lado já), alguém solitário afirmará, de pronto que não existe. Outro, em um namoro feliz, já dirá com certeza que existe. E caso esse último sofra algum tipo de rompimento nesse relacionamento, se sentirá machucado e negará a existência de tal sentimento porque lhe é conveniente. E eu te pergunto, meu caro leitor: podemos negá-lo, mas será que ao fazê-lo, o amor realmente deixará de existir?
      Apesar de todas as possíveis referências e leituras, recentemente descobri que ele não deixa de existir e que ele realmente existe. Ainda abstrato, mas pude finalmente vê-lo em algumas linhas que li na semana passada de uma carta que jamais foi enviada, aparentemente. Linhas escritas por um grande amigo, o Gregor, não sei exatamente quando, pois ele não colocou uma data no papel. Há uns dez dias, Gregor tomou um avião e cruzou o Atlântico, deixando para trás um apartamento repleto de muitas cartas, anotações e alguns cadernos com textos e poemas que ele escrevia de vez em quando. Ele sempre gostou de escrever e apesar de nunca ter se profissionalizado como escritor, ele escreve muito bem. Profissionalmente, de certa forma, ele também escreve, mas com tintas diferentes. Conta outras histórias. No papel, as histórias são sobre ele, quase sempre. Como um constante reprocesso de si através de papel e caneta esferográfica preta. Quando não são sobre ele, são sobre ele de uma outra forma. Lembra-se do que eu o disse? Não tem como ser sobre outra pessoa já que em nosso estado atual só podemos ter o nosso ponto de vista até que outras pessoas também o façam. E apesar desse inestimável material, ele não disse nada a nenhum de nós, jamais. Nem uma palavra. Dois dias após sua viagem, ele me ligou com seu típico tom de irrepreensível felicidade como se sempre existisse algo a mais a ser dito, dizendo apenas "Flávio, por favor, tire minhas coisas de meu apartamento e se quiser guardar algo, guarde, mas por mim, pode ir tudo o que há por lá para o lixo. Aliás, conto com você para isso!". Em pouco tempo vão colocar o apartamento para alugar, novamente e eu o entendo: Também preferiria ter tudo colocado no lixo, onde qualquer pessoa, qualquer estranho pode pegar o que (e se) quiser a deixar um grupo limitado de estranhos tomarem posse porque tudo estava disponível a eles.
      E então, no dia seguinte à ligação, fui ao apartamento. Desde então, eu estou aqui. E, por Cristo, onde o Gregor estava com a cabeça? Uns móveis velhos e empoeirados podem mesmo ir ao lixo, mas suas raízes mais antigas estão aqui. Seus livros, discos, textos e fotografias permaneceram aqui. Não todos, eu imagino, não sei o que ele levou consigo, afinal. Quando eu entrei no apartamento, o cheiro quente de mofo quase me fez recuar. Prendi a respiração, corri para as janelas e as escancarei todas. Saí de volta ao corredor e aguardei alguns minutos até não mais sentir aquele ar viciado. Alguns poucos dias fechado e o lugar parece um porão. Em seguida, entrei e pude realmente observar o apartamento. Não pensei em muitas coisas, só me passou pela cabeça que as paredes precisavam de uma pintura e os móveis, de fogo. Desci até o carro e peguei algumas caixas de papelão. Subi de volta ao apartamento e me sentei junto a uma pilha de papéis do Gregor. Era estranho fazer isso porque parecia tão fúnebre e errado mexer em suas coisas, dessa maneira. Escolher o que deveria ou não ir ao lixo. Ele me disse que tudo iria, mas se ele estivesse aqui, com certeza não se desfaria de nada disso.
      Separei os papéis por relevância. Simplesmente o que era relevante ou não. Certidão de alistamento? Relevante. Lista de compras com apenas dois itens: café e chicletes? Não relevante. Não era muito estimulante, admito. Até que, em um canto do quarto de Gregor, encontrei um par de cadernos, folhas soltas e algumas cartas recebidas, bem amarrados, com uma caneta prendendo o laço. Ao lado dessa pilha, mais ao canto, uma bola de papel amassada distraidamente, formada por uma porção de folhas. Era uma carta. Aparentemente não foi enviada, mas considerando o número de rabiscos e correções, pode muito bem ser um rascunho. Como eu poderia saber? Sentei-me no chão, apoiado à cama e coloquei-me a analisar o conteúdo do papel. Se relevante ou não. Ao ler a sua assinatura, ao final de todas aquelas páginas, corri de volta ao início. Não tinha data alguma. Não parecia tão antigo, só desgastado, como se lido e relido inúmeras vezes, dobrado, desdobrado e redobrado insistidas vezes, em sabe-se lá que momentos. Eu mesmo reli em seguida. Devo dizer que no momento, e desde então, não consigo pensar em nenhum outro referencial tão pessoalmente universal para expressar o amor como essa carta, que reproduzirei integralmente aqui.

      Boa leitura.




      "COMEÇO
      Pronto. Não sabia por onde iniciar a escrever e lembrei que a melhor maneira de fazê-lo seria pelo começo. Esse foi ele.

      Não sou muito bom com datas e esses sistemas popularmente aceitos para medir o tempo, você sabe bem disso. Mas, após consultar um calendário (agora eu tenho um!) percebi que já faz cerca de dois meses que nossa relação acabou, estamos distantes e não mais nos falamos.

      Bosta.
Esse começo todo soa tão austero, como se eu estivesse com a voz embargada, em lágrimas, com a barba mal-feita e cheirando à tristeza. Fico feliz em poder escrever que não estou. Fico feliz em poder escrever que não estou, mais. Essa carta pretende justamente expor isso. Não, não isso. Porque não é como um ato de orgulho absurdo ou uma tentativa meio patética de auto-afirmação pós-rompimento. Já superei isso também, da mesma forma que eu o fiz por causa de outros relacionamentos anteriores, com dito-insucessos incomparáveis ao tamanho do que senti quando eu a perdi. Droga, não gosto de dizer que eu a perdi, Camila, já que nunca realmente a possui. Isso não existe, sob nenhuma variável. Isso não existe simplesmente porque possuímos carros ou sapatos, mas pessoas, não. Por isso não gosto de dizer que eu a perdi. Mas, manterei o termo, na falta de palavra melhor. Para todos os efeitos, vou tentar abolir ao máximo as explicações ou possibilidades lingüísticas de cada palavra ou sentença que eu escrever. Acho que você me conhece mais que o suficiente e já sabe o quão literal e figurado cada termo é, para mim. Um paradoxo, sempre. E sob essa dúvida proposital eu vou me manter.
      Por que estou escrevendo, afinal, você pode se perguntar. É uma dúvida razoável! Tive o impulso noutro dia e novamente esta manhã. E quando planejei isso, mentalmente, achei que começaria daqui porque
aqui é o começo real. Então, mesmo que já esteja caminhando para a segunda página, sinta-se à vontade para considerar como começo o parágrafo a seguir — se faz necessário colocar novo parágrafo para ter uma continuidade aceitável.
      Outro dia, pela manhã, acho que foi há uns dez dias, eu estava me vestindo para ir à padaria. Compraria algo para o café da manhã. Estava ouvindo uma canção qualquer que só estava realmente tocando como uma música incidental em um filme, para preencher um vazio sonoro que se apossou de lugares como meu apartamento, em tempos mais recentes. Passei rapidamente pelo espelho para garantir que eu ainda estava lá e parei em frente à parede em que penduro as fotografias. A rotatividade dessa parede é enorme e, ainda que de uns tempos para cá eu esteja um pouco desleixado e mais freqüentemente tirando fotos de lá do que pendurando, eu não pude deixar de notar que quase dois meses depois a sua foto ainda estava lá. Você consegue entender isso? Eu fiquei muito confuso, inicialmente, é claro. Nunca me habituei a você a ponto de não percebê-la ou sequer a venero platonicamente, o que seria perfeitamente compreensível. Se me permite explicar desse
aspecto platônico (prometo que não vou me prolongar) e considerando o que eu defino como platônico, pessoalmente, eu não teria começado nem a escrever isso ou escreveria e, talvez, a carta nunca saísse daqui. Porém, concordo com absoluta franqueza que de platonismos vivemos e muitas vezes não percebemos que o fazemos com tantas pessoas diferentes. O viver platônico também é o planejar com antecipação acontecimentos, eventos e situações com as outras pessoas ou com o mundo. É gerar aquele mínimo saudável de expectativas, é um amor pelo viver e pelo fazê-lo pleno. PLA.TO.NIS.MO (fim do aspecto platônico).
      Voltando à parede de fotos, encarei sua foto por longos minutos. Ela está lá entre tantas outras com ou sem relação direta —principalmente sem— e por alguns bons minutos me perguntei o porquê. Analisei tudo por um instante. Estou bem, estou feliz; a minha vida continuou como esperado e muito bem. Imagino que a sua também. Porém, sua foto, você, ainda está lá. Não tenho idéia de quantos minutos se passaram entre o momento em que a percebi em minha parede e cheguei a uma conclusão. Digamos que fora por dez minutos. Após dez minutos, então, entendi: Sua foto ainda estava ali porque eu não posso negá-la. Colocar em um arquivo e falar "hora de recomeçar". Não acredito em recomeços impulsionados por esse tipo de estímulos, eles seriam frágeis e falsos demais. Recomeços ocorrem o tempo todo, movidos pelo insignificante. Quando você o percebe como recomeço, provavelmente você já perdeu a primeira parte da história. Eu simplesmente não posso negá-la porque eu a amo, honestamente. Farei uma (nova) volta no tempo para ser mais claro.
      Há cerca de dois meses eu estava em um dia tremendo. Por alguma razão que pouco importa no momento, eu estava radiante. Era um dia realmente espetacular! Aqui e ali existia aquelas preocupações diárias, mas meus ânimos estavam à flor da pele. No final da tarde, meu celular soou por um instante. Era uma mensagem sua. Ao ver seu nome ali, no visor, já sorri largamente e abri a mensagem. Não me lembro os motivos para o dia ter sido tão bom, o que eu vestia nem qual era o clima daquela tarde. Me lembro apenas com clareza de suas palavras na mensagem: "Eu acho que eu não te amo mais". Vê? Ainda agora elas parecem tristes, sinceras e cinematográficas e, no momento, eu fiquei em choque. Após algumas mensagens, nos encontramos e conversamos melhor, mas o que eu poderia fazer? Um problema com a maneira que eu falo com seus amigos é uma coisa. Ou, uma suposta inadequação de meu comportamento em relação a um problema seu ou de alguém próximo (E para tanto, modestamente peço perdão por essas atitudes infantilóides que tantas vezes tive). Mas, o que fazer quanto alguém simplesmente não te ama mais? O amor está sob constante mutação e, assim sendo, sob constante definições de autores, artistas e pessoas em geral. No entanto, ele pode acabar? Eu realmente não vejo por que não já que você não pode medi-lo, mas quando você ama, você sabe que ele está lá, então, quando você não o percebe ali, provavelmente ele acabou. Uma vez, durante uma crise, você me questionou "Já ocorreu contigo? De repente, sem razão aparente, já te aconteceu de descobrir que um dia você simplesmente não ama a pessoa que você deveria amar? Porque você está cansado demais ou ocupado demais ou apenas porque não conseguia mais
sentir?".
      A coisa toda é tão complexa que eu fiquei atordoado por um tempo. Saía com diversas outras mulheres, procurava esquecê-la, apagar o amor que eu ainda sentia por você. Todo dia surgia uma nova teoria e conseqüente experiência que faria o amor "acabar" e, no final do dia, era tudo ridiculamente em vão e eu me sentia realmente estúpido, inserido em todo esse clichê.
      E o problema desse clichê é que quanto mais pessoas você envolve em algo assim, mais pessoas são machucadas; Mas, inicialmente foi bom, claro. Só que assim como isso veio, se esvaziou; eu preferia não estar mais ali, no meio daquelas pessoas, sorrindo como um imbecil e me enganando daquela maneira. Quando notei que enganava tantas mulheres proporcionalmente à necessidade de você, parei com aquilo tudo, por um tempo. Não tinha efeito algum. Estava tão entretido por aí que esqueci realmente de mim. Quando consegui, parei. Respirei. Olhei para mim. E estava tudo lá, ainda. Uma mágoa de amar e saber que não é amado de volta. Busquei amparo em canções e sofria silenciosamente. Me peguei com uma freqüência maior do que consideraria ideal balbuciando canções como
Ne Me Quitte Pas tal qual um mantra, oculto sob essa aparente e costumeira impassibilidade (ou quem sabe frieza) de minhas atitudes, no meu dia-a-dia. Mas eu permanecia completamente vulnerável. Ouvi as canções que me lembravam de você e vi filmes também. Lembrava de seus comentários sobre dadas cenas como se fosse uma daquelas opções extras de áudio e, movido pelo meu usual otimismo eu tentava me convencer de que ainda que tenha sido um duro fim, foi incrível enquanto durou.
      Hoje, eu vejo como isso foi um erro e percebo que é um erro muito comum. Claro, você deve se apegar ao que valeu a pena, porém um dia eu me questionei: Então foi
isso que valeu a pena? E aqui, vejo agora, foi um verdadeiro recomeço, não no sentido de ignorar que você existiu, mas algo mais próximo de ignorar como eu agi após o fim.
      Pensei por alguns dias e, nessas reflexões e auto-análises constantes, encarando tudo sob a mesma ótica, consegui separar bem o saudosismo e a memória do valor real desse amor que eu ainda sinto, pra mim. Conclui que sim, eu te amo e eu te amo mesmo. Eu te amo e não é preciso que você me ame de volta porque seria um tremendo erro pedir que o faça só para cumprir uma vaidade minha. Entendi que eu te amo porque o amor que você deu pra mim e eu sinto ainda por você é muito maior que o
amor que se pinta por aí. E eu o subestimei esse tempo todo. É algo muito além. Por te amar tanto, aprendi a viver em função do amor. Aprendi a ser uma pessoa melhor e aprendi que as pessoas de uma maneira geral têm tanto medo de ficarem sozinhas que se submetem a viver sem amor. E quase em uma torrente de otimismo e auto-ajuda, o amor-próprio já é uma manifestação real de que a solidão não é um problema em si e que estar sozinho não significa que você está solitário.
      É fácil, tão fácil, acabar com um relacionamento e negar a pessoa, negar o amor que você sente pela pessoa e assim, procurar seguir em frente. A beleza da coisa está em justamente encarar o amor ou o ódio e ver o quão isso realmente faz parte de você. No calor do momento você não consegue separar nada, mas é possível e é realmente gratificante fazê-lo.
      Falei que posso
entender o amor como algo finito. Contudo, particularmente, eu digo que ele não tem fim. Acho curioso notar que cheguei a discutir isso com um amigo e ainda que eu tivesse parte disso em mente, ainda me chateava um pouco. Ele me falou algo que soa um tanto radical, à primeira vista, mas que complementa perfeitamente o que escrevi há pouco. Considerando que o amor não tem fim, um dia descobrir não mais amar, por exemplo, indica que o amor nunca existiu, de verdade. Parece egoísta demais e aqui deixo a decisão pra você caso um certo grau de egoísmo é bom ou não. Em minha opinião, sem o egoísmo não há nada. Egoísmo é o nome feio dado para algo que pode ser bonito, sob as proporções devidas, claro! Honestamente, pense na palavra, independente de tudo que ela significa pra você: EGOÍSMO. Descartemos o ismo, ismos nunca são saudáveis, são comportamentos obsessivos, vícios. E então? O que temos? EGO. Eu. Droga, em que momento a nossa sociedade conseguiu transformar algo tão próprio e bonito como o EU em algo pejorativo ou errado ou em um comportamento obsessivo? Não há apenas certo ou errado, assim como as pessoas não precisam ser personagens ególatras e viciadas em si por tentar manter um mínimo de individualidade. Poderia me estender por páginas e mais páginas, dissertando sobre religião, educação, moral ou política. Todos esses factóides sob o meu ponto de vista, o que acha? Ninguém leria esse lixo, claro. Nem mesmo eu. Por isso não chegarei tão longe. Mas, eu devo dizer que essas esferas sociais e tantas outras são sempre amplamente difundidas mas tão, tão pouco pensadas, pra valer. Pensadas, pra valer. Pensar, pra valer, demanda tempo e energia assim como pensar, pra valer em si mesmo como o centro do mundo, de seu mundo ao mesmo tempo em que pensar os outros como outros centros do mundo, dos mundos deles, parece profundamente entediante quando um programa de vinte e dois minutos é exibido em trinta e sua única preocupação é com o volume de sua televisão. Não há espaço para si e, por mais que eu simpatize com a televisão, o dito aproveitável é mínimo e esse vazio transmitido tem massa o suficiente para preencher e atordoar a mais prolífica das mentes. Por isso eu considero o egoísmo, esse egoísmo parafraseado, o meu egoísmo, algo que pode até ser um pouco romântico. Aliás, ando tão maravilhosamente egoísta que clamo o egoísmo de meu porque o egoísmo de uso típico, por definição é feio e meio ocre, meio verde. Cheirando a madrasta de contos infantis. É o vaso de terra jogado no chão recém-limpo para que a princesa não consiga terminar a faxina a tempo de ir ao baile. O meu egoísmo poderia ser esse "amor-próprio" ou qualquer coisa que quiserem chamar. Um nível moderado de egocentrismo é tão benéfico como uma xícara de chá no final de um dia desgastante. O meu argumento é que todos, sem exceção, todos nós, seres humanos, somos auto-suficientes. Absolutamente auto-suficientes. Já li que não somos auto-suficientes ou que precisamos dos outros pra viver. Isso é uma mentira gigantesca. Nos convenceram assim, mas prefiro ver a verdade nas linhas de: não precisamos das outras pessoas, nós as apreciamos ou as admiramos, mas isso é diferente de precisar porque precisar indica uma necessidade de suprir algo que falta em você. Sendo você auto-suficiente, se trata de uma reação impulsiva, quase humilhante, talvez e precisar, nesse sentido, só pode resultar em algo realmente terrível, o descarte. Por favor, não seja simplista, Camila. Não aqui. Não seja simplista sobre a definição de precisar. Se você tem um problema com a fiação da sua casa, você precisa de um eletricista. Esse precisar é justamente o oposto do precisar a que me refiro. Vou me apoiar em um exemplo mais concreto e genérico: "Casal se conhece, se apaixona e namora. Entre as juras de amor, rapaz diz à moça (ou vice-versa) que a 'ama' e que precisa dela. Diz que estava incompleto, mas que ela o fez completo, que não imagina a vida sem ela, etc., etc." e aí o que segue é uma espécie de gratidão misturada a tantos outros elementos que permeiam uma relação. E não me entenda mal, tantas vezes eu ou você ou qualquer um no planeta pode e deve se sentir grato e os motivos que geram essa gratidão não precisam de forma alguma ser incensuráveis, mas acredito que a gratidão seja temporal. Ou limitada, pelo menos. Temos uma mania meio cristã de eterna gratidão, mas de rancores efêmeros o que é, no mínimo, incongruente. Se devemos perdoar e esquecer as ofensas, por que devemos viver dois mil anos sob a sombra de uma gratidão?
      Vivemos tão imersos nessa gratidão de coisas passadas em relação a outras pessoas sem diferenciar se o que sentimos é uma sensação real ou compulsória. Fala-se em banalização do amor, mas no fundo banaliza-se a gratidão, a necessidade, o meio, a mensagem, eu e você. Uma auto-banalização. Há a gratidão, mas por que viver em função dela? De volta ao exemplo, o precisar-gratidão é aquele erro extremamente comum que cometemos, cada qual à sua freqüência. Precisamos das outras pessoas, seja para satisfação ou para aprendizado porque somos auto-suficientes sim. Porém, eternamente incompletos. Se você aprende algo com alguém, você pode sentir-se grata à pessoa porque ela a mostrou algo que a completou em um sentido, mas isso não significa que a
pessoa a completou. Há sempre essa confusão. Somos insuficientes em saber pois nos expandimos a todo segundo enquanto vivemos então, há sempre uma lacuna a preencher. Mas, se confunde essas lacunas com incapacidades. E rapidamente nos descobrimos capazes em função de outras pessoas. Precisamos de outras pessoas porque elas nos completam e quando nos vemos distantes ou sem essas pessoas, temos a sensação de vazio, de que estamos perdidos ou apenas solitários. É um vazio, mesmo. Porque nos preocupamos tanto com gratidões eternas ou com a busca do outro por vaidade que o que você poderia ter aprendido foi apenas repetido, como uma cartilha com as palavras pré-tracejadas. Você traçou as palavras e entendeu como funciona, mas se retiram a cartilha e os esboços a preencher, você conseguirá pensar por si só e reescrever algo além daquelas palavras?
      De volta ao amor.
      Falei que o amor está sempre em mutação. Falei que subestimei o amor que senti por você, colocando-o sob os parâmetros do amor que é difundido em todos os lugares de como é o amor. Já em explícita contradição, eu a digo que de tudo o que se fala do amor, nada deve ser levado em consideração simplesmente porque não há uma regra. Digo-lhe agora que essa mutação e transformação é a causa dos desentendimentos que levam casais a se separarem sob a acusação de que o "amor acabou". Basicamente, ele se transformou e se transformou em algo diferente do que eles tinham em mente. Ele não acabou, mas tampouco é
aquele amor. Não é maior ou menor. É diferente, apenas e as pessoas têm medo do diferente. Como se paralisadas pela própria condição mutável de si mesmas e que dificilmente é aceita (por alguma razão as pessoas se orgulham de "ser" enquanto a beleza reside justamente no "estar"), as mudanças vão sendo negadas, mas negá-las não as faz deixar de existir. Cabe aqui enfatizar uma regra que considero universal, até que se prove o contrário: Negar não anula a existência de nada. Apenas adia o confronto. Então, por que se dar o tempo de negar se você sabe que é inevitável? (Não confunda, por favor, com destino ou nada assim. Falo de lógica humana e consciência da conseqüência dos próprios atos e ações. Não sei se existe tal coisa como o destino. Sempre me parece outro comodismo anestésico para justificar o que você não conseguiu prever e, prolongando esse parêntese mais do que o previsto, não acho que tudo seja previsível porque são os toques de imprevisibilidade [quem sabe o caos?] que prevalecem em nosso dia-a-dia. Contudo, me volto agressivamente contra o oposto absoluto, que seria o tal destino, em que não temos nenhum controle sobre nós ou nossas vidas porque tudo está predeterminado. Considero essa posição pretensiosamente inocente. Até talvez inaceitável. E o problema é que, na maneira que as relações foram estabelecidas em nossa sociedade, se você volta-se absolutamente contra esse comodismo do destino e começa a agir permanentemente e automaticamente por si sob suas próprias regras, você é igualmente comodista, apenas à sua maneira).
      Se em um casal as duas pessoas negam as suas próprias mudanças e a mudança do amor, segurando-se à outra desesperadamente, como uma espécie de corrimão espelhado, simultâneo e recíproco, culminará em dado momento que elas se apoiarão apenas na gratidão de tempos passados sem nenhuma perspectiva de futuro. A mudança é um crescimento e assim como sempre temos novas lacunas e necessidades a preencher, a mudança nos possibilita suprimi-las da melhor maneira possível. Se adiarmos a mudança, ela se acumula e simultaneamente ao enfraquecimento do relacionamento, ela gradativamente ganha força e um dia, quando somos obrigados a nos deparar com o inevitável, os corrimãos parecerão correntes e o relacionamento um suplício. "O amor acabou", simplifica-se. E agora eu consigo olhar melhor pra isso e repito: Não acabou. Não acaba. O amor simplesmente não acaba. Ele se transforma, cresce e quando o subestimamos, como freqüentemente o fazemos, ele parece fraco ou inexistente. Mas, é como ler e reler uma mesma linha diversas vezes ou repetir a si mesmo uma única palavra até que em um
jamais vu, ela parecer completamente estranha e desprovida de qualquer razão. É uma fadiga da redundância. Se somos acometidos desse tipo de fenômeno em situações absurdamente corriqueiras, Camila, o que nos impede de sofrermos de reação semelhante frente ao costume de amar?
      Disse, no início que nunca me habituei a você a ponto de não a perceber, Camila. Percebo que menti, de uma certa forma. Nunca me habituei a você a ponto de permanecer indiferente à sua presença, mas me habituei a amá-la sem realmente perceber o quanto eu, você e o amor mudamos. O começo então, está
aqui. O que eu deveria ter escrito há dez dias e só estou redigindo agora. Droga, o que eu deveria ter escrito ou eu deveria ter percebido há dois meses. Não. Eu deveria ter percebido isso antes do tal fim. Talvez, ter percebido isso antes não seria motivo o suficiente para continuarmos juntos, há momentos que, devido às mudanças e alterações em mim, você, no amor e no mundo todo, conseguimos perceber que simplesmente não há mais razões para ficarmos juntos. Eu vejo isso agora, parece-me perfeitamente lógico estarmos separados por razões já descritas aqui e tantas outras que eu jamais conseguirei definir. E para tanto, eu a estou escrevendo, não para parecer orgulhoso ou mesquinho nem nada disso. Sequer me vejo vaidoso ao escrever essa carta porque ela é o sentimento mais puramente honesto, sincero e pessoal que eu poderia tentar exprimir. E movido por este excepcional amor que sinto, sem gratidões eternas ou quaisquer enganações, eu honestamente digo:
      Obrigado.

      O amor, o
meu amor é, por definição, toda essa indefinição.

Do sempre seu,


Gregor."

20080419

[Auto] Sabotagem

Eu sou um cretino, um imbecil. Ontem, tinha uma pedra no meio do meu caminho. Uma pedra bonita, do tamanho de um pêssego. Eu chutei com a ponta do pé, sem muita empolgação. Ela rolou. Um segundo chute e ela rolou mais um pouco para frente. Resolvi chutar com força pra vê-la correr pra longe. Acertei a pedra e ela foi um pouco mais longe. Por alguma razão, eu chutei com a sola do pé. Futebol nunca foi meu forte e, logo após o chute, doeu. Incomodava um pouco mas tudo bem.

Chegando em casa, tirei o tênis e, apesar de não estar visivelmente ferido, eu não conseguia pisar muito bem. Andava pra lá e pra cá, mancando um pouco, como naquelas piadas de manco, dizendo "deixa que eu chuto, deixa que eu chuto" ou "tô fundo, tô raso, tô fundo, tô raso". Considerando que instantes antes do incidente da pedra, no carro, tive uma cãibra mal resolvida na panturrilha direita que, também incomodou um pouco durante o dia e eu fui dormir certo de que hoje de manhã estaria bem porém está realmente dolorida e pior do que ontem, estou em um final de semana manco e auto-sabotado.

Já sabia que não seria dos mais animados devido a acontecimento durante a semana, a maioria em relação ao TCC mas isso já é demais. Não devo me irritar. Não estou irritado. Estou irritado. Estou irritado por estar irritado quando não deveria estar. Claro, a pedra seria absolutamente evitável, é o tipo de situação que se você pensar um pouco, o mínimo, você percebe que não vai acabar bem simplesmente porque enquanto não acontecer alguma merda você vai continuar chutando a pedra ou passando o dedo no fogo.

Tenho um histórico de chutes em pedras com os tais efeitos surpresa. Certa vez, chutava uma pedra em um parque ou coisa que o valha. Metros à frente tinha uma senhora caminhando solitária com seu guarda-chuva. Ela não estava na minha frente exatamente, estava mais à direita ou à esquerda. Chutei a pedra em linha reta. A pedra salta com graça em linha reta. Quica e quica e quica e, num quarto quique, encontra uma deformação no terreno, desvia seu trajeto e acerta em cheio o calcanhar da velha. A velha se encolheu, num urro furioso, levando a mão ao calcanhar. Eu, Demétrius D., 16 anos, muito maduro e constrangido, mudei o trajeto em 180º. Hoje eu falaria com a senhora e tomaria a bronca numa boa mas não sei se é minha memória que colocou detalhes a mais para romantizar ou justificar a fuga mas aquela velha ficou realmente contrariada com aquilo tudo e eu sabia que ela bateria com o guarda-chuva em mim. E eu falei que ela soltava fogo pela boca? Pois é. Eu poderia não estar aqui escrevendo isso, até. Outra vez, caminhando à noite, início de madrugada e com muito sono, chutei uma pedra da calçada e pude ouví-la gritar. Enfim.

A pedra era evitável. Já a cãibra, não. Mas a ressaca da cãibra na panturrilha direita seria tranqüila sem a dor no pé esquerdo. Ou seja, é uma grande sabotagem. Uma grande, estúpida e feia sabotagem de mim.

De que me adianta todos conspirarem para me fazer feliz quando eu consigo, sozinho, estragar tudo?

Aliás, acabei de perceber algo. Vamos às palavras-chave que apareceram aqui no Pinbal Mutante durante a última semana, sim?


conspiração
sabotagem
paranóia



Ótimo. Era bem o que me faltava.

20080418

Bang bang,

   Há três dias citei Salinger, sobre uma conspiração. Uma paranóia ao contrário.



   E como não falar em conspiração?

   Leia aqui, no blogue dela, um outro lado, exposto com tanta, tanta beleza.




Obrigado.

20080415

Diagnóstico:

"Ah, meu Deus, se há algum termo clínico que me sirva, sou uma espécie de paranóico ao contrário. Suspeito que as pessoas estejam sempre conspirando para me fazer feliz."

J.D. Salinger

20080412

Ruído

De quinta para sexta eu dormi pouquíssimo. Precisava terminar uns trabalhos que era pra sexta-feira-ontem. No final das contas, o que faltava me ocupou a tarde toda e, de qualquer maneira, não foi necessário entregar ontem. Ficou pra segunda. Apesar de ter dormido pouco mais de duas horas, o dia foi bem produtivo e tudo, com alguns lapsos aqui e ali mas produtivo. Pronto.

À noite, fui ao Cinesesc. Há um festival dos Melhores Filmes de 2008 e foi exibido o Império dos Sonhos (Inland Empire) do David Lynch. Já tinha visto o filme e é incrível. Com essa chance de ver no cinema, novamente e sob pretexto do TCC — a minha monografia será sobre sonhos com um estudo de caso do David Lynch —, fui. O filme acabou meia-noite e qualquer coisa. Sem chance de voltar para casa, ficamos em um bar até os transportes públicos voltarem a circular.

Eu tinha uma palestra na DRC sobre o InDesign CS3 para ir. Marquei isso há um tempão e estava realmente disposto a ir. Queria ter voltado cedo pra casa justamente por isso mas eu estava sem chances de voltar. Cheguei em casa às sete horas e a palestra seria às dez. Eu cheguei em casa com o sono acumulado de dois dias conturbados e ruidosos e eu estava realmente, realmente cansado. No caminho para casa eu pensei "Vou chegar, tomar um banho e já ficar pronto pra ir". Chegando em casa, percebi que nem bem conseguia sentir minhas pernas e decidi dormir um pouco. Por apenas trinta minutos, para esticar as pernas. Caso contrário, minhas pernas poderiam ceder, eu cairia em algum lugar e acabaria dormindo ali mesmo então, me coloquei na cama. Aí, dormi.

E dormi forte.

Acordei às 10h26 em choque, puto, puto, puto. Perdi a porra da palestra. Sou um irresponsável do pior tipo. Lembrei que quando o celular tocou, eu estava naquele estado de sonhar acordado. Nesse estado de uma forma bem acentuada. Lembro de um barulho absurdo, ridiculamente irritante. E eu não conseguia achar o botão, qualquer botão do celular. Eu apertava as costas do celular insistentemente, tentando cessar aquele barulho. Uma tristeza.

Enfim, perdi a maldita palestra. Diabos. E então... Que remédio?

Dormi até o meio-dia.

20080406

Step In Time!


Se eu tivesse nascido quarenta anos antes, certeza que eu saberia dançar, cantar e teria um papel nesse filme.

Certeza absoluta.

20080404

Mochila

Livros, livros, livros. Caderno, agenda e bloco de anotações. Caixa com alguns lápis, lápis de cor e algumas canetas. As chaves, sempre esqueço-me das chaves e a prancheta com papéis.

Minha mochila está sempre cheia. Sempre com esse tipo de coisa e muito mais. Hoje resolvi dar uma olhada. Resolvi ver o que não levaria. Não levaria o caderno e nem alguns livros. Só dois, sendo um romance e um técnico. Para poder, quando quiser ao longo do dia, me divertir ou aprender algo, respectivamente. Os lápis e canetas ficam, eu sempre posso ter que anotar algo. Tiro papéis amassados ou rasgados, coloco fora da mala. Olho para a prancheta. Preciso da prancheta? Ela pode ser útil caso eu precise escrever sem nenhuma mesa por perto ou apoiar qualquer outra coisa. Mas ocupa espaço. Preciso dela? Imediatamente?

Retiro a prancheta.

Os papéis permanecem presos a ela. A mochila parece muito maior agora. Tiro também os lápis de cor. O espaço ganha um volume invisível. Tudo parece solto ali na mochila. E então, percebi.


Percebi que não adianta prevenir
porque há
sempre
algo a
remediar.

20080401

Clara oo5

Minha querida Clara,

Concordo totalmente. E achei ótima a comparação com o Iago de Macbeth. A maior parte das pessoas confunde isso. Aliás, isso vale um novo parágrafo para abordar um comparativo com um troço real que acho que lança mais uma luz sobre o assunto e que provavelmente se tornará um longo parêntese não declarado, já cabe o aviso.

Teve uma coisa na outra carta que eu não te falei. Sabe o que me aconteceu quando eu mostrei os trechos a ela? Sabe a droga que me aconteceu? Eu me arrependi, me arrependi profundamente. Senti-me péssimo, um cretino da pior espécie. Estava permitindo algo que eu prezasse tanto a alguém que definitivamente não o valorizaria.

Então, me lembrei instantaneamente de nossos gigantescos ciúmes com O Apanhador no Campo de Centeio. Não queríamos que este ou aquele ser se apropriasse do livro. Refletindo agora, o que parecia ser um egoísmo juvenil ou ainda infantil, se mostrou apenas uma apurada sensibilidade para reconhecer quem poderia ler o livro e realmente compreendê-lo. Parecia uma loucura, só dizíamos "Ela não vai entender, ela não merece" ou ele, enfim. Qualquer pessoa. E então, agora eu consegui ver isso com um pouco mais de Propriedade. Lógico, temos um humor de caráter dito duvidoso (Ainda que "caráter" seja uma das mais fantásticas invenções humanas, eu não acredito muito nele como parâmetro para o raio que o parta) e sou freqüentemente questionado se sou louco ou se eu tenho algum problema e, sei que você também passa pelo mesmo tipo de acusação injusta. Não somos as únicas pessoas assim, claro —e uso a palavra claro consciente e com a extrema repulsa que tenho por palavras de instantânea obviedade—, mas eu acho que no final das contas, o humor ou qualquer outra ação que temos é apenas uma amplificação de sons internos. Entende isso? Quando eu (especificamente porque não posso me responsabilizar por toda uma humanidade) faço uma piada com um deficiente, por exemplo, não é que eu tenha preconceitos e seja um monstro insensível mas sim porque eu entendo a condição do deficiente e estou extremamente à vontade com isso, lido com naturalidade. O que no fundo eu entendo e vejo é que é apenas um ser humano, droga. Essa condição sim é dos problemas dele o maior, assim como todos nós estamos presos nisso. Então, quando alguém me repreende sobre algum comentário ou piada eu não dou muita atenção porque é uma pessoa que está tão apegada a uma perna a menos ou uma visão debilitada que resume aquele ser humano a um pobre deficiente, vítima do mundo.

O que eu vejo nesse sentido é simplesmente aquela visão maniqueísta e burra. Tenho um amigo assim. Outro dia, ele comentou durante um almoço sobre "os dois meninos que estavam judiando de um cachorro usando uma barra de ferro, um de dez e um de doze anos, e um outro menino de oito veio defender o cachorro e os outros meninos acertaram a barra de ferro na cabeça do terceiro e ele caiu, com traumatismo craniano. E os outros meninos fugiram". Para ele, os garotos eram MAUS. Alguém judiar de um cachorro e ainda conscientemente agredir outro ser humano é uma coisa que só alguém RUIM mesmo poderia fazer. Eu falei que as crianças não sabem o que fazem, não têm essa consciência dos atos que praticam sobre as outras pessoas. Não importava, nada importava, era como falar com o rádio. Ele arriscou uma comparação com "essas crianças de doze que pegam uma arma para assaltar e matar outras pessoas" mas isso eu brevemente o repreendi porque não é nem de longe um exemplo válido considerando que são crianças com históricos diferentes e, assim sendo, necessidades e culturas diferenciadas, o que o fez desistir em seqüência. Então, ele apelou para um exemplo de um assalto na sua mais genérica forma, de um rapaz fugir com uma moto após voz de assalto e o assaltante atirar, matar a vítima e nem levar a moto. Questionava-me com olhos fundos, raivosos e passionais se eu não acreditava que uma pessoa assim não era MÁ. Falei que é a mesma coisa que as crianças. Não isento a pessoa em absoluto. O comportamento é errado e é triste se deparar com isso mas o assaltante não é MAU; no máximo teve uma atitude má. Ainda tentei mostrá-lo que pode ser que o assaltante atirasse por impulso e depois, tomar consciência de seu ato e as conseqüências disso. Como se após atirar no outro, pensasse em como aquilo tinha dado em merda. E por experiência própria eu digo que cada um vê o assunto como quiser. Quando sofri aquela tentativa de assalto que tentaram roubar minha carteira, lembra? Não entreguei a carteira e saí no braço contra dois caras porque sabia que não estavam armados. Passado o momento, o que eu mais ouvi, de longe foi de como essa gente é. Ouvi repetidas vezes de rostos diferentes que esses vagabundos mereciam levar um tiro ou pagarem severamente por esse tipo de coisa. O que parecia ser inicialmente uma (não tão) simpática demonstração de empatia pelo meu problema se tornou apenas um exemplo de como o ser humano é paradoxalmente misantropo. Não estavam preocupados realmente com o que tinha acontecido comigo ou o que eu achava daquilo tudo [e mantenho minha opinião de que não posso culpá-los nem sequer ficar alimentando um ódio progressivo gratuito] mas estavam mais interessadas em mostrar como odiavam essas pessoas MÁS, os bandidos. Mais uma vez eu digo: Não os defendo, foi um comportamento errado. Contudo, e o comportamento dos mocinhos? Não é igualmente repreensível ou digno de discussão porque é ora demais condescente, ora demais fascista? Nada é verdade absoluta nem sequer mentira absoluta. Quando você resume tudo a dois pólos distintos, você sempre exclui possibilidades ainda mais valiosas e suculentas, que exigem um pouco mais de reflexão sobre o assunto —provavelmente aí está o grande problema.

Voltando um pouco, costumava me considerar misantropo por um longo tempo, quando era adolescente. Meu discurso se resumia a basicamente "Odeio pessoas". Nunca me questionei muito sobre isso porém, eu fui crescendo e percebi então, que o que eu considerava misantropia não era nada daquilo. Não era mesmo, provavelmente só achava o termo bacana. Não era filantropia tampouco já que foi mais ou menos quando notei, também, um pouco mais que as coisas não se encaixam na velha escola dos antônimos. Hoje eu digo, honestamente: Eu amo pessoas. Eu amo o ser humano e sempre cito o ser humano como meu animal favorito. Noto pelos olhares que me lançam que tudo parece uma piada minha e realmente não me importo. Há uma linha de Hugh MacLeod que sintetiza bem esse meu não se importar: a melhor maneira de conseguir aprovação é não precisar dela. Sou um ser humano também, obviamente (ou aparentemente). E o que eu odeio, e sempre odiei, é uma certa ignorância ou preguiça humana. Talvez mesmo um egoísmo, esse umbiguismo exagerado que afeta a maior parte da população. Não me excluo, não me excluo mesmo. Sou umbiguista também quase que da mesma maneira. Porém, eu não me preocupo em demonstrar sentimentos e sensações que são —ou deveriam ser— básicos a todo mundo para tentar ganhar pontos em alguma maluca escala social invisível. Não pratico filantropia uma vez por semana nem procuro qualquer outro desencargo de consciência (em todos os níveis, seja política, social, pessoal, humana ou ambiental) para me definir como ser humano. Daí, associo automaticamente às nossas perseguições espirituosas aos utópicos em geral, como jovens que se dizem anarco-punks mas não sabem o que isso realmente significa. Não há um termo pré-existente por aí que me defina como pessoa e sei que também nenhum define por completo qualquer outra pessoa senão, o ser que cunhou tal termo. Inclusive, considerando essa linha de pensamento, provavelmente aquele termo só definia aquela pessoa naquele período da sua vida, especificamente. Uma das únicas coisas que acredito afetar todos os seres humanos, sem excessões, é que é uma criatura em mutação. Não apenas psicológica mas orgânica —a genética e toda a evolução das espécies não me deixam mentir.

Pomba, isso tá realmente longo. Você ainda está aí, Clara? Estou acabando, já, não se preocupe. Essa capacidade de lidar com a mutação, seja ela constante e quase invisível ou drástica —e assim, imprevisível— é o que realmente difere as pessoas. É essa a sensibilidade, eu acho. Uma tranqüilidade em relação às mudanças. Inclusive, acho detestável quando alguém, em votos de Boas Festas diz a outro alguém, com boas intenções, não nego, para que "não mude nunca". É como pedir para a pessoa ficar amarrada ao portão. É ridículo. Quando se diz d'O Apanhador (Sim, voltamos ao Apanhador!) você sempre tem a sinopse: Garoto Que Não Quer Crescer, como se tratasse de um Peter Pan urbano. Isso é uma verdade incompleta. À primeira vista, o problema é crescer. Depois, você nota que o problema é crescer e se tornar uma dessas pessoas cômodas —que chamei de mocinhos logo atrás. E por fim, como em Laranja Mecânica (O filme, não o livro) conclue-se: Crescer não precisa sedimentá-lo se você não o quiser. Você não precisa ser um "adulto" porque isso não o define de forma alguma e, as coisas novas podem acabar substituindo as mais velhas contudo, na maioria dos casos, na maioria mesmo, uma não subtrai a outra mas adiciona. Complementa, mesmo!

E tem um trecho em O Apanhador que hoje acredito definir essa questão da sensibilidade. Folheei o livro e não o encontrei. Mas é aquele trecho em que o Holden diz que a maior parte das pessoas não sabe sorrir e nem se dão conta disso. Você, de cara, identifica ou procura identificar a veracidade física da afirmação mas o que realmente diz, eu acredito, é isso: Há pessoas que são sensíveis porque o são e a sensibilidade é invisível. Há pessoas que substituem sua sensibilidade por sentimentalismo e/ou romantismo exarcebados por uma causa, pessoa ou assunto. A sensibilidade é invisível, o sentimentalismo é palpável. Para que todos reconheçam a sua enorme bondade, a pessoa parecer abdicar de sua própria sensibilidade. Não sei se isso é um fato, é só algo que eu observei que se repete em quase todas as pessoas. E como você disse, as crianças têm sensibilidade (Que os "adultos" chamam de sinceridade ou coisa que o valha) ou seja, isso é algo que as pessoas podem manter na fase adulta ou podem cair abismo abaixo do campo de centeio para os cinismos, narcisismos e todo esse tipo de vulgaridade.

Como o problema do Beto que você me falou em sua carta. Ele procura esse ajuste a um estilo de vida que é vulgar e provavelmente está a se ajustar por essa razão. É um esvaziamento de si. As pessoas não entendem as drogas, simplesmente não entendem. Elas não entendem que toda e qualquer droga já teve um uso socialmente mais aceito, ainda que dentro de grupos específicos, porque tinham significados diferentes aos usuários. Os alucinógenos eram utilizados porque as pessoas realmente acreditavam que aquilo as fazia transcender e ter contato com deuses. Ou simplesmente como algo que dava energia e disposição instantâneas. Ou ainda porque era elegante. Diabos, eu realmente não sei! Com o passar dos anos, a medicina declarou que faz mal ao organismo, a longo prazo em inúmeras frentes e isso se tornou apenas um símbolo banal de rebeldia. Se alguém me convencesse que utiliza dessa ou daquela droga porque realmente o quis, pessoalmente, consideraria aceitável. Como o Salinger diz no Seymour, uma Apresentação, "Não estou cem por cento convencido de que alguém precise de motivos inatacáveis para fazer citações dos autores de que gosta, mas é sempre agradável, isto eu concedo, ter algum bom motivo". Porém, todas estão sempre atreladas a histórias fantásticas, seja por causa de bandas, artistas ou na mídia em geral. Aí, vem essas correntes como o niilismo para dar força e pronto, se você se droga você é equiparável ao artista X. É normal ter isso para auto-afirmação em um momento ou outro da vida mas o que me deixa chateado é que a maior parte das pessoas sequer se dá conta disso ou quando o faz, é tarde demais. Passa tanto tempo procurando viver a vida dos outros que resta pouco da própria a se viver.

Quanto àquela mulher, ontem assistimos a Festim Diabólico, naquele cinema meio cult (haha), sabe? Notei no escuro em poucos momentos que ela estava um pouco impaciente. Depois do filme eu estava em êxtase e saí do cinema aos galopes, gesticulando e falando muito. Quando vejo um filme pela primeira vez não gosto de sair falando "Gostei" ou "Não gostei". Há ótimas fitas que são simplesmente desprezadas quando você acaba julgando o filme, impulsivamente. Mas você sabe o quanto eu gosto desse filme e eu não a vi por lá. Aliás, você foi? Achei que a encontraria por lá. Enfim, caminhamos um pouco, sentamos para um café e, ainda que tenha sido um tanto divertido, não conseguia deixar de pensar em como aquilo não duraria. Simplesmente não duraria. E por que? Porque a sensibilidade dela é mais aquele caso do sentimentalismo. É palpável, óbvia. Ela me citou um livro daquele autor cult-cult mas que não vale o próprio peso em merda e me apontou um trecho para ler no livro. Não lembro da citação, está muito tarde e minha memória vale tanto quanto esse autor mas era realmente cretino. Não sei se era tão cretino assim mas era algo nesse nível, juro pra você. Não, não era. Era muito pior, era muito mais cretino, parecia uma caricatura menos divertida. Ou uma caricatura diferente. O que importa é que eu fiquei nauseado, de verdade. Nunca achei que leria algo tão pretensioso e babaca que fora publicado de verdade. Nessa hora eu fechei o livro e falei "Não dá. Li o primeiro parágrafo e acho que foi a pior coisa que eu li nos últimos dez anos". Ela insistiu para que eu terminasse de ler aquele texto e desse uma folheada no livro. Relutei um pouco mas terminei. Deus, aquele texto era bizarro, uma nojeira. Basicamente o sujeito diz que nunca tinha conseguido colocar uma linha no papel e, nos anos 70, o autor experimentou LSD porque os amigos diziam que dava um barato e afirmou não ter sentido nada de muito diferente e ele dizia que achou que não tinha dado nada mas só então percebeu que estava chapado ou coisa assim. E por fim, em umas três ou quatro linhas ele descreve as pobres alucinações visuais que ele teve e como desde então escreve e etc. É uma narrativa tão pobre, tão seca e tão artificial de qualquer coisa que até me lembro de ter pensado que provavelmente já tinha lido listas de compras mais emocionantes. Geralmente não sou tão ranzinza mas é que acho essa história toda muito desgastante. Cansa e muito. Como eu disse, nesse momento, não vejo isso durando muito. Vou seguir minha vida, provavelmente. Se rolar algumas trepadas no caminho, ótimo. Caso contrário, não fará muita diferença. Pode soar meio monstruoso mas é só uma forma prática de viver a vida. Não teria realmente paciência para namorar-namorar, formalmente falando, eu acho. E absolutamente não teria essa paciência com a senhorita sentimental.

E é isso. Não sei se a leitura foi cansativa ou entediante, Clara. Não a reli ainda mas é só que é ótimo escrever para você. É sempre um prazer!


Com todo o meu carinho,



Gregor