20070221

Jorge e Marcela

   Era um casal bonito, aquele.
   Tudo correu conforme o previsto, do primeiro encontro até aquela primeira noite juntos. Não era previsto que ambos ocorressem no mesmo dia porém, aquele vinte um de abril tornou-se a data para tal.
   Cerca de três meses depois, os dois já passaram a ser Jorge e Marcela, assim, sem separação, por todos os amigos e conhecidos. Foram gentilmente abdicados de seus nomes, por si só, mas eles não o perceberam.
   Em seguida, foi o espaço. Já em agosto, o antigo apartamento de Jorge tornou-se o então apartamento de Jorge e Marcela. Era alguma coisa menor do que o dela mas tinha uma pequena varanda na qual Jorge e Marcela escoravam-se para ver a rua passar e vez ou outra, a rua passava para vê-los a se escorar.
   No final do ano, Jorge e Marcela planejavam o Natal, empolgadíssimos, como as duas crianças de vinte e tantos que ainda eram. Marcela cortou o cabelo e Jorge comprou um pequeno pinheiro de plástico.
   Em meados de fevereiro, Jorge e Marcela estavam na praia, torrando ao sol, felizes por estarem juntos. Marcela já não exibia o seu antigo físico, esguio, mas uma barriga um pouco mais saliente. Seus seios estavam sutilmente mais generosos e Jorge um tanto flutuante.
   O casamento se deu numa tarde de julho, numa capelinha qualquer. Marcela usava um vestido branco que já seria suficientemente curto em qualquer noiva e nela, ficara ridiculamente bonito com aqueles oito meses em contraste com suas pernas, aparentemente tão finas e frágeis. Jorge e Marcela uniam-se então, ainda mais. Jorge e Marcela agora também poderiam ser chamados de Jorge e Marcela Oliveira, legalmente e abençoados por Deus.
   No mês seguinte, Catarina era a nova Oliveira a unir-se a Jorge e Marcela. A cicatrização de Marcela nunca foi muito boa e por duas vezes os seus pontos romperam-se. A coloração desagradável e o aspecto mutante de sua cicatriz na região do baixo ventre eram vistos com naturalidade por Jorge, que preocupava-se em manter Marcela confortável e descansada. Afinal, ela carregou sozinha Catarina por tanto tempo sozinha que suas costas continuavam doloridas e suas pernas exaustas. No meio das madrugadas, era Jorge quem abdicava de seu sono para cuidar de Catarina. Um par de mamadeiras com o leite de Marcela ficavam religiosamente esperando, à noite, para fazerem o que faziam de melhor. E pela manhã, Jorge saía para trabalhar após beijar Marcela carinhosamente, tornando a recuperação muito mais prazerosa do que recuperações costumam ser.
   Para melhor cuidar de Catarina, Marcela abriu mão de seu emprego e pôde assumir, de fato, a posição de mãe em tempo integral. Jorge a apoiou, mesmo considerando o esforço desnecessário e de tantas formas antiquado. Contudo, para Marcela, anular algo do tipo não era penoso mas uma contribuição sincera para que Jorge, Marcela e Catarina fossem uma família feliz.
   E lentamente, Jorge e Marcela abdicaram, juntos, de tantas coisas. Dos bailes inconseqüentes, das bebedeiras de sábado, do sexo - nas noites em que Catarina acordava assustada e queria dormir na cama deles -, de despesas pessoais em tempos não festivos, de suas liberdade e juventudes.
   No último ano da faculdade de Catarina, descobriram em Marcela a metástase originada de um câncer renal, infelizmente, durante sua autópsia, apenas. Agora, pela primeira vez em toda sua vida, Jorge estava sem Marcela.
   Jorge e Catarina choraram juntos e rapidamente, Jorge viu-se em necessidade de abdicar mais uma vez de sua tristeza para manter Catarina bem, terminar a faculdade e seguir sua vida. Na semana seguinte, Catarina já voltara à suas atividades normais, não completamente recuperada mas melhor disposta.
   Jorge fez o que podia para continuar mas depois de tudo, Jorge não conseguia existir sem Marcela. Deixara de lado tantas coisas que podia fazer, da mesma forma que Marcela o fizera e agora, sem ela, obviamente ele não tinha nada mais.
   Foi em uma noite qualquer de outono, pouco tempo depois da formatura de sua filha, que Jorge e Catarina parou de ser utilizado pelos amigos, passou a ser Catarina, apenas. Do outro lado da cidade, em mármore, Jorge e Marcela eram um só, novamente.

20070219

A Mulher Mais Linda da Cidade


A Mulher Mais Linda da Cidade, originally uploaded by Ye Captain.

Uma imagem da adaptação do conto de Charles Bukowski, A Mulher Mais Linda da Cidade, que fizemos no ano passado.