20081116

Difícil

Eu sou tão difícil que, na sexta-feira à noite, conclui que estava tão chato que não podia nem mais me suportar. Por algum tempo percebi que tinha cansado de tudo. De mim e dos outros. Tinha comentado com um amigo alguns dias antes duas frases da Franny, no livro "Franny & Zooey", do Salinger, que dizem:

"I'm sick of ego, ego, ego, ego. My own and everybody else's. (...) I'm sick of not having the courage to be an absolute nobody.”

Até onde vai o desprendimento? Até onde devemos nos desapegar? É fácil se desapegar das coisas materiais quando você não vive por elas. Não sei bem, mas isso me ficou muito claro quando me assaltaram, levaram meu celular e eu sentia apenas uma espécie de compaixão pelo cara que me assaltou. Não conseguia entender bem a razão disso, gostava do meu celular e ele me era muito útil, mas não era minha vida. Antes me preocupava em ficar atento para não me apegar a esse tipo de coisa, viver em razão de coisas temporais e tão frágeis. Hoje em dia não consigo ver as coisas de outra maneira. É natural e orgânico, não como algo que "aprendi" a fazer mas como algo que me era tão rotineiro fazer e que simplesmente "desaprendi" a fazer. Estou longe de ser perfeito nisso, mas aprendi a encontrar uma voz que tem muito mais força em mim do que qualquer bem material poderia proporcionar.

Então, não entendo bem de onde vem essas inquietações súbitas. Acredito que elas sejam muito proveitosas. Mas ñao sei apontar as suas razões depronto: é um processo. Sou temperamental e difícil e acredito realmente que nada é constante, a não ser a mutação. Eu mesmo, fazendo uma espécie de retrospectiva dos últimos doze meses vejo o quanto mudei. Hoje não me digo mais católico, mas me sinto espiritualmente muito mais forte e em crescimento; sou vegetariano por razões espirituais, políticas, morais e ambientais, e me sinto muito mais fiel a mim mesmo assim; me alimento melhor, gosto mais das pessoas, vivo muito mais aberto e sensível às mudanças;

São tantas mudanças, maiores e perceptíveis ou menores e invisíveis às outras pessoas que não consigo falar sobre elas de uma única vez, já que assim como trato situações negativas de forma abstrata pois a partir do momento que as encaro como "problemas" e concretizo isso em mim, elas passarão a efetivamente sê-lo, também trato as situações positivas e enriquecedoras. E nesse mesmo paralelo, em ambos os casos não guardo memórias concretas do que foi resolvido ou expandido. Simplesmente absorvo e quando olho para onde isso deveria estar, só vejo a mim mesmo, uma parte de mim. Como se sempre estivesse lá, integrado a mim, natural.

E quando não faz mais parte, cresce, funde-se, muda, move-se, desprende ou apreende. Está lá para em breve não mais estar. Nunca é, mas quando está, movimenta o meu ser com toda força, sem grandes estardalhaços.



O ego tem seu lado negativo e positivo. A parte negativa sempre vemos por aí. Mas usar a parte positiva é muito mais importante e difícil. Outra frase do Salinger fala bem disso: "An artist's only concern is to shoot for some kind of perfection, and on his own terms, not anyone else's." A destruição pode ser uma forma de criação, mas isso sempre dentro de si. A destruição de outros e de outras criações e significações apenas pelo próprio ego não tem nenhum valor real, além de alimentar a parte negativa do ego. Manter o foco em sua arte e em si, e fazer o melhor que você pode, é uma maneira positiva de usar o ego em sua forma positiva porque você provavelmente direcionará isso aos outros. E os outros serão atingidos por isso de uma maneira igualmente positiva.

Em qualquer nível, o exemplo é a melhor forma de educação. "faça o que eu digo, não faça o que eu faço" é o tipo de argumento que me faz querer vomitar. É fácil dizer sobre qualquer coisa. Viver essa coisa é muito mais valioso e raro. E então, nada precisará ser dito porque tudo já está feito.

Por isso fico tão feliz com essas mudanças que me fazem ser uma pessoa tão difícil. E não luto contra isso, não disse que seria fácil. Sou um livro aberto e se pareço difícil de ler, às vezes, talvez eu esteja apenas procurando novas significações ou traduções para mim.