20090407

Uma tarde qualquer

      As marcas do reflexo da luz no teto formam desenhos abstratos da mais simples beleza. São marcas refletidas por carros e sombras de pedestres, que se projetam oscilantes através das pequenas frestas da janela em um dia ridiculamente quente. Os dedos de Camila brincam delicadamente com meus cabelos e sinto sua respiração suave refrescando meu rosto enquanto ela lê um livro, que segura com a outra mão. Olho para cima e vejo seus olhos castanhos compenetrados nas linhas de Javier Marías. Estico um braço e acaricio seu rosto e seus cabelos. Ela sorri e me lança um olhar quase tímido.
      Me viro de lado e me coloco em uma posição semi-fetal sobre suas coxas, encontrando uma área incrivelmente confortável ali. Poderia cochilar facilmente sobre ela.
      "O que você quer almoçar?", ouço sua voz.
      "Eu falei que faria o almoço hoje", respondo após uma pausa, murmurando de olhos fechados, quase dormindo. Houve algum silêncio.
      "Então... O que vamos almoçar, Gregor?" ela questionou, rompendo o silêncio com um sorriso irônico que não pude ver mas se fez ouvir. Fingi dormir.
      "Gregor?"
      Eu dormia.
      "E o meu almoço?" ela questiona enquanto coloca o livro ao seu lado.
      "Ssshhh..." respondo com preguiça.
      Ela então apertou meu nariz, bloqueando minha respiração e o puxou com alguma determinação. Dei de ombros. Ela então desistiu de meu nariz, acendeu um cigarro e voltou para o seu livro. Espiei pelo canto do olho e Camila estava realmente lendo mais uma vez.
      "Ei", falei me levantando e sentando ao seu lado "não era pra você desistir assim de mim!"
      "Se eu soubesse que almoçaria um Marlboro vermelho teria comprado pelo menos umas maçãs pra acompanhar" ela respondeu sem mover os olhos.
      Comecei a rir. "Que tal umas abobrinhas recheadas?"
      "Abobrinhas? Não tem uma bisteca de porco bem suculenta?"
      "Bisteca eu acho que não... Tinha bacon mas ele fugiu com o Babe, o porquinho atrapalhado, semana passada", comentei.
      Ela desviou a atenção do livro e me olhou com cinismo, refletindo o meu próprio pós-piada-do-Babe.
      "Sério mesmo, foi um negócio emocionante!" falei com a expressão mais séria e verdadeira do mundo. E finalizei "Mas deixaram as abobrinhas para trás. Por isso ofereci."
      "As abobrinhas estão ótimas pra mim", ela respondeu.
      Levantei e antes de sair do quarto, já na porta, parei e me voltei para Camila.
      "Você as quer de alguma maneira especial, Cá?"
      Com os olhos baixos no livro, ela me repondeu.
      "Mal passadas, por favor." esboçando um sorriso.
      "Sangrando!", respondi energeticamente.