Cristina é uma mulher inteligentíssima, criativa e divertida. Seu rosto não é delicado ou lindo e tem um corpo mais cheio que os padrões impõem atualmente, mas seus atributos não físicos são suficientemente desejáveis a ponto de homens que se deixassem conhecê-la diriam que Cristina é uma mulher bonita. Parte disso é o seu sorriso espontâneo e sincero que no mínimo atrai curiosos para saber o que mais há por trás dessa mulher de aparência um pouco desleixada e olhos tão brilhantes.
Ela já teve alguns namorados e sai com este rapaz de porte médio e ideias idem. O tipo de cara que ela sai porque não suporta a ideia de estar sozinha, ainda que tantas pessoas estejam ao seu redor e uma parte delas tenha afeição por Cristina. Ela não suporta estar sozinha.
Sua carência é tamanha e infundada que Cristina dorme com muitos homens que exprimem qualquer simpatia por ela. Ela não o faz por um real desejo por todos aqueles homens, mas apenas porque Cristina não pode ficar sozinha com si em momento algum e como uma espécie de gratidão por aquela faísca de atenção, Cristina lança-se sobre estes homens com intensidade e tristeza, gozando um afeto vazio e esperançoso, falhando miseravelmente na tentativa de suprir o que parecem necessidades cotidianas mas são simplesmente atos falhos na busca do amor próprio.
Ela não vai encontrar jamais o seu amor próprio em fodas esporádicas com homens que sorriem em sua direção porque tal carência é destrutiva e Cristina tem tanto controle em sua inteligência racional que não é impossível ficar perplexo com a fragilidade de sua inteligência emocional. É questionável falar em uma inteligência emocional já que a razão jamais encontrará formas de exprimir a emoção com propriedade e justiça mas declaro assim por algum comodismo.
Outra noite, encontrei Cristina em um bar e ela me recebeu sorrindo e carinhosa como sempre. Ela estava com alguns amigos e todos bebiam seus copos de cerveja enquanto conversavam animadamente. Me uni ao grupo e invariavelmente conversava mais diretamente com Cristina. Notei que após algum tempo, ela se oferecia para mim sem pudores e assim sendo, me mantive neutro às suas investidas pois não sentia igual atração por ela, simplesmente não me interessava e acredito que de alguma forma Cristina percebeu pois senti alguma irritação em seu olhar.
Ainda assim, de repente Cristina me beijou e após o beijo, me afastei um pouco dela e falei olhando em seus olhos um pouco embriagados.
"Acho que você confundiu um pouco as coisas, Cristina."
"Oh, Roberto..." ela parou por um instante e continuou, "desculpe... não queria deixá-lo constrangido nem nada, só achei que você também estivesse a fim..."
"Não precisa pedir desculpas, você agiu como achava ser correto, não há nada de errado nisso."
Ela sorriu e voltou para os assuntos na mesa, de uma certa maneira me evitando. Não podia fazer nada já que isso é algo dela, somente, e senti que qualquer tentativa de retomar uma conversa com Cristina para deixar claro que pouco daquilo me importou seria mal interpretado novamente.
Isso ficou mais claro pra mim quando Cristina passou a investir em outro amigo que dançou uma música com ela logo após nosso beijo e subitamente ele tornara-se seu foco. Sabia que ele não era o cara pra ela e provavelmente ela também. Ele já não estava tão sóbrio e não estava exatamente interessado nela, mas ela investia no rapaz com um interesse pessoal e inconsciente. Minutos depois, ela o beijou e não foram muitos minutos até que eles transaram no banheiro do bar.
Cristina voltou a mesa com ele; o rapaz ainda era carinhoso com ela na medida do alcoolismo, mas ela não podia perceber aquele ato de afeto de uma outra pessoa. Cristina apenas conseguira novamente perceber o vazio daquilo tudo. Nesses momentos sempre me preocupo com Cristina porque sua desolação é tal que muitas vezes acredito que ela pode procurar o alívio com um tiro na própria cabeça. Seria uma ação tão extrema e estúpida, mas me entristece perceber que isso é tão plausível e cabível em suas ações que prefiro pensar que Cristina encontrará todo aquele amor que ela tem em si e perceberá como é auto-suficiente de tantas maneiras e, assim, ela poderá encontrar alguém para se entregar de verdade, não por gratidão ou por falta de correspondência pessoal, que tudo aquilo não passa de um somente si.
E Cristina não mais lutará contra seus próprios fantasmas porque ela perceberá que é humana e tudo bem. E de todas as condições nojentas e tristes e possíveis, essa é a única verdadeiramente impossível de se alterar, e que isso a obrigaria a viver em mutação, com variações de humor e pontos de vista, entre a segurança e a insegurança de si e de seus atos, com alegrias reais e tristezas inexplicáveis, com otimismo e desespero, com realidades internas, com o inconcreto da vida, com a falta de chão, os frios na barriga, a impureza do ar, o brilho opaco das estrelas, os olhares indiferentes, rir até chorar, com contas a pagar, variações climáticas e com todas, todas as outras pessoas na mesma condição miserável de seres humanos, por todos os dias, até o fim da sua vida.