Levanta o cigarro até a altura da testa. Ensaia um movimento com a mão. Os olhos permanecem vagando na parede, em um vazio que o próprio Carlos definiria como assustador, caso pudesse se olhar. Respira como quem vai começar uma nova frase por duas vezes, chegando a contrair os lábios na segunda vez, mas desistindo em seguida. Umberto permanece sentado e calmo. Não fuma e não bebe. Desenha com o dedo ao redor da xícara de café. Carlos toma ar mais uma vez e volta o olhar, mais vívido agora, para Umberto.
"Eu devo ser louco" disse ele. "Eu só posso ser louco. Não há nada a se dizer. O tipo de coisa que geralmente provoca os mais profundos desejos e pensamentos nas pessoas me parece ridiculamente triste agora. Não consigo ver isso de outra maneira. E a pior parte é que nem eu sei bem dizer sobre isso. Sei que quando soube de tal fato, fiquei tão confuso que chorei um pouco. Não aconteceu nada de dramático ou a cena que você deve estar imaginando, Umberto. Só me senti profundamente emocionado entre a idéia de novas possibilidades e a possibilidade de deixar algumas idéias. Quando você se depara com essa possibilidade e tão somente com a possibilidade, e parece uma agressão, uma violação do seu tempo. Uma violação dos seus ideais. É triste, triste, triste. E feliz. É tão contraditório e violento. É uma canção fora do tempo. Um momento sem ritmo, uma suspensão e um desconforto. O tempo passa engraçado, a possibilidade é mais um elemento de adversidade quando deveria ser justamente o oposto".
Carlos pára por um instante, refletindo no que disse. Umberto permanece ali, imóvel.
"Se é só uma possibilidade, você não deveria se preocupar tanto com isso, cara. Isso é bom, se você pensar bem".
"Isso é bom? Não sei se isso é bom, esse é o problema. Em outros momentos, provavelmente, seria só mais uma decisão. Pesaria os prós e os contras. E me colocaria do lado do vencedor. Agora, não há parâmetro, peso equivalente. O material usa um sistema diferente do imaterial e não estou certo de qualquer matemática para fazer uma conversão que seja justa". Pára um instante. Carlos traga o cigarro mais uma vez e, em seguida, amassa-o contra um cinzeiro que estava no centro da mesa. Cobre o rosto com as mãos e suspira, com tom reflexivo, pressionando seus olhos nariz bochechas, como se pudesse deformá-los tal qual massa de modelar.
"E o que se pode fazer?" pergunta Umberto, interrompendo a obsessão não de todo gratuita do amigo.
Carlos solta as mãos do rosto e olha para Umberto, que permanece encarando-o com uma seriedade tamanha que ao contrário de parecer rancorosa ou indiferente, dada a aparente rispidez da interrupção, só denota a honestidade e a verdade tão simples de sua pergunta. Carlos desvia o olhar e alcança o maço de cigarros. Com um movimento, expõe três cigarros, dos quais um se desprende e cai sobre seu colo. Leva o cigarro aos lábios e busca a caixa de fósforos nos bolsos de seu paletó com os olhos baixos, ainda pensando. Sem levantar os olhos e segurando o cigarro nos lábios, conclui.
"Não sei o que fazer".