20071216

Meu amigo flexível

   O drama do meu cartão começou há algum tempo. Talvez meses. Possuo um daqueles cartões do Banco Real Universitário Internacional. Tem o cartão comum e o minicard, que nada mais é que um cartão "43% menor" bem inútil, que não o permite fazer saques em caixas rápidos ou de auto-atendimento mas quebra um galho em vendas a débito ou crédito, pessoalmente ou não.


   Certo dia, noto que perdi o cartão grande. Provavelmente, estaria em meio às minhas coisas, em meu quarto. Não sou uma pessoa que seria chamada de "organizada" - obviamente organização é uma questão de ponto de vista porque para mim, como para qualquer desorganizado do mundo (Uni-vos!) há uma organização que obedece regras internas e pessoais. Eu só começo a me preocupar quando as coisas desaparecem e eu não faço a menor idéia de onde elas estejam. Ou quando as pilhas de organização começam a atrapalhar a passagem. Então, eu estava no meio de um projeto da faculdade e fazendo um estágio durante esse semestre o que me impossibilitava de
a) arrumar o quarto porque eu estava ocupado e cansado demais nos poucos momentos livres que surgiam; e
b) sem o meu cartão de crédito/débito.

Ainda bem que ainda possuía o tal minicard. Não me permitia sacar dinheiro nos caixas por aí, só na boca do caixa, após aquelas filas desumanas de gente com problemas realmente impossíveis de serem resolvidos no caixa rápido. Como o meu estágio ocupava basicamente o horário útil de um banco, era raro eu ter dinheiro em mãos. Só comia ou bebia ou comprava ou freqüentava lugares que aceitassem Visa. Não, meu senhor, não é crédito não, é débito mesmo, é que eu perdi o cartão comum e não consigo sacar dinheiro mas eu tenho algum dinheiro em conta. Repeti essa desculpa inúmeras vezes, quase um mantra, uma explicação meio boba mas para mim, importante, porque às vezes o valor da compra era relativamente baixo e voilà, não tinha papel ou moeda que cobrisse isso. Mas esse dinheiro numeral e eletrônico tava lá.

   O minicard também me permitia utilizar a função crédito, online ou em lojas quaisquer, o que era bom para presentes e compras pessoais. Pretendia comprar assim alguns presentes de Natal, hoje ou amanhã, para chegar no decorrer dessa semana, preferencialmente antes do Natal. Não seria nada dispendioso. O estágio acabou, estou meio quebrado por hora mas Natal é Natal! Além disso, tem uma meia dúzia de filmes que eu quero ver e com a promoção dos 3r$ para estudantes em alguns cinemas de São Paulo seria uma pechincha! Ainda bem que cinema aceita débito.

   Não tinha efetivamente cancelado meu cartão porque imaginava que estava perdido no meu quarto. Estava no meio dos processos da faculdade, com gastos eventuais e importantíssimos para o desenvolvimentos dos trabalhos e compra de materiais realmente necessários. Seria fácil, arrumaria meu quarto, acharia o cartão e ficaria tudo bem, sem transtornos.

   Ontem, de repente, comecei a arrumar meu quarto à maneira clássica. Minha arrumação costuma ser lenta, eu não seria um bom diarista se diaristas-homens fossem comuns. Sou de baixíssima produtividade porque quando eu arrumo as minhas coisas, funciona como uma viagem no tempo, um regresso a dias passados, um grande e bonito flashback. Leio papéis e anotações, faço organizações temáticas, cromáticas, de texturas e momentos. É um processo cansativo mas gratificante. Depois, começo a colocar cada grupo ou momento em seus lugares, a arrumação devida. Quando já tinha passado por todos os cantos do meu quarto e olhado em todos os blocos de papel, livros, revistas, anotações, desenhos, rascunhos, panfletos, post-its, caixas e pacotes, pensei
"pomba, perdi o cartão mesmo".

   Impulsivamente agarrei o minicard e liguei correndo para o Real Cartões para cancelar o cartão atual e pedir o outro. Fui atendido pela Daiana, moça simpática que confirmou meus dados para minha segurança e me pergunta
"quando o cartão foi perdido? Hoje mesmo?"
"Ahm... Dei pela perda ainda agora mas ele já tá desaparecido há algumas semanas, acho que um mês", o que é mentira. Faz bem mais que isso mas me senti constrangido em falar que estava sem o cartão há tanto tempo porque não tinha olhado no meu quarto ainda.
"Certo, senhor. Então, com o cancelamento do cartão atual, naturalmente o senhor quer uma nova via do cartão, não?"
"Isso! Preciso de um cartão novo, por favor"
"Sim, só um instante"
...
"Senhor, o seu cartão já está cancelado e em até sete dias úteis você receberá em seu endereço uma nova via do seu cartão!"
"E do minicard também?"
"Sim, senhor. Do minicard também. Note que a partir de agora o minicard que o senhor já possui não irá mais funcionar"
"Ah, tudo bem! Obrigado! Feliz Natal!"
"Obrigada, feliz Natal também! Boas festas!"

   Desliguei o telefone com um sorriso natalino no rosto, aquele sorriso meio bobo de boas festas que você ostenta após esse tipo de cordialidade. Pensei "Puxa, que moça simpática!" e tornei para arrumar o quarto. Minutos depois, o estalo:

   O cartão tá cancelado, o maldito cartão tá cancelado, o que inclui o minicard. Caralho, caralho! Como eu sou idiota! Como é que eu vou comprar os presentes de Natal? Como? Hm... posso sacar dinheiro ou, se comprar online, boleto bancário. Demora um monte e é uma provação de paciência mas vale a pena... ufa. E como em lojas virtuais os descontos compensam um monte, saindo mais barato que em lojas físicas e com frete grátis em todo lugar, compensa muito mais. Preguiça de encarar lojas cheias na semana antes do Natal. E o cinema? Meu deus! O cinema! O que eu faço com o cinema? Vou ter que sacar o dinheiro, de qualquer maneira, não tem jeito.

   Aí, notei como eu sou cretino e ansioso. Poderia ter esperado mais três dias para cancelar o cartão, comprar o que eu tinha para comprar e ver meus filmes mas não. Liguei, cancelei e me fodi.

   Agora, cartão de crédito só em sete dias úteis.