-Beleza! A gente se vê então na Avenida dos Mafagafos, em frente ao cinema, lá pelas duas!
-Tá legal.
-Clara..
-quê?
-Toma cuidado.
-..tá.
Paulo desligou o telefone com um sorriso. As orelhas quase se juntavam atrás da cabeça de tanto que ele sorria. Ele assoviava uma canção. "There's no business like show business". Ele tinha um daqueles assovios bons de ouvir. Era um filho-da-puta, mas o desgraçado assoviava como um anjo. Junto ao assovio, ele dançava. Tentava fazer como nos antigos musicais, mas ele tem tanto gingado como um pato morto. Em um movimento inesperado, Paulo vai para o chão.
-Que se dane, eu tenho um encontro com a Clara!
Levantou-se num salto, abraçou seu labrador e rodopiando com o cão nos braços, ouvia uma valsa em seus ouvidos.
Em seguida, correu para o banheiro. Tinha que estar impecável. Esse seria seu encontro mais importante. E também o mais desejado. Ele ama Clara desde seus onze, doze anos talvez. E desde então está sempre ao seu lado, sem saber como agir.
Em poucos minutos estava pronto. Sim, estava impecável. Seus cabelos penteados, ainda úmidos, estrategicamente posicionados. A camisa passada e a calça, jeans, propositalmente amassada. Olha pela janela. Vai chover. Ele pega seu guarda-chuva - um daqueles belos guarda-chuvas grandes e que se parecem, vagamente com uma bengala, não aqueles retráteis, meio que embutidos, como pau de gato - e sai, de casa, esquecendo de alimentar o cão. Caminha rua acima. Roda o guarda-chuva cheio de uma alegria arrogante. Ele era dono do mundo, agora. Novamente assoviava, dessa vez era "Baby one more time". Dessa vez, sem dança, só o movimento contínuo do guarda-chuva xadrez.
No ponto de ônibus, sua alegria parece irradiar às outras pessoas entediadas e conformadas. Todos os olhares se direcionam à ele e ele encara todos, um a um, com um sorriso besta, como se tivesse dado uma rasteira no Papa. Assim sendo, todos reagem como se ele fosse um completo idiota.
Em alguns minutos, o ônibus chega e Paulo sobe, num salto. Ele provavelmente chegaria bem à tempo, em ponto. Com uma rigorosidade britânica, pensa enquanto passa pela catraca, sorrindo para o cobrador, recentemente desperto de um curto cochilo e com os cabelos despenteados.