20041130

Tomas

   Tom segue rua abaixo, com o passo apertado. De vez em quando, olha para trás e apesar da rua cheia, um rosto insiste em repetir-se em meio à multidão. Um homem, magro, alto e com cara de poucos amigos. Tom está inquieto. Seria muita coincidência dois homens seguirem a mesma direção, sentido e ritmo por uma rua inteira ou duas?
    Ele não sabe responder mas seus passos o levam para dentro de um banco, onde ele trata de se colocar ao fim de uma fila, sequer olhando quem está nela.
    Com a respiração arrítmica e um suor frio escorrendo pelo seu rosto, ele vira para trás, em direção à porta giratória. E aguarda. O homem estava há uns 10 metros dele. Ele entrará a qualquer momento. Seus olhos são dois pontos negros, encarando fixamente a porta giratória, ao som único e apavorante de sua respiração perturbada pelas batidas secas de seu coração, com seu sangue torridamente gelado e pensando em nada, pois nada lhe convém pensar.
   Ele aguarda alguns instante e gradualmente recupera o fôlego e o sangue amorna-se novamente mas as batidas continuam a cortar-lhe o ouvido. Se o homem não entrou até então, ele provavelmente já foi embora. Só resta a Tom arriscar-se e sair novamente da segurança do banco para os perigos inimagináveis de uma rua cheia de estranhos.
    Ainda de olhos fixos à porta, ele pisa um passo meio duro e depois outro e segue, encarnado-a, ganhando velocidade e aproxima-se lentamente da porta. Caminha como o homem condenado à forca, que vai em direção ao seu insólito destino, sem chance de voltar. A porta está à sua frente e quando Tom está a cinco passos dela, resolve acender um cigarro. Aliás, precisa acender um cigarro. Maldito vício!
    Pára.
    Com os olhos ainda fixos à porta e ignorando qualquer aviso de proibido fumar, enfia a mão no direito do paletó, pega o maço de cigarros e antes que possa sacá-lo do bolso, um som consegue ser alto o suficiente para interromper-lhe as batidas de perturbarem seus ouvidos e o distrai.
   Seus olhos então desviam-se finalmente da porta giratória e ao olharem para dentro do banco, observam as pessoas, todas, deitadas ao chão. E dois homens armados o encaram junto à porta, visivelmente apressados e tensos. A insegurança exala de seus olhos miúdos de ladrões baratos e é cravada pelo leve tremular de suas mãos empunhando aquelas pistolas semi-automáticas roubadas.
    Tom os observa atônito, imóvel. Impassível. Os homens parecem gritar com Tom, mas Tom não parece ouvi-los.
   Encarando-os nos olhos, em um movimento brusco, ele puxa a mão do bolso, trazendo consigo o maço de cigarros.
   E o som de tiros penetram-lhe o pensamentos. Quente, seco e dilacerante, sobrepujando-lhe o som da batida e rasgando-lhe o invólucro da alma e da ignorância.
   Ele cai. Sentindo a vida vazar de seu corpo, ele ouve os gritos e choros assustados daquele lugar. Levando a mão para sobre seu corpo, sente algo transbordar de si, algo quente e vital.
    Pela primeira vez em sua vida, Tomas Bernt sentiu a liberdade transbordando de seu corpo, numa sensação única em meio à mediocridade em que sempre se viu.
   Antes que tudo aquilo acabasse, Tom riu-se.
    E deixou que o sangue gelasse mais uma vez.