Tom segue rua abaixo, com o passo apertado. De vez em quando, olha para trás e apesar da rua cheia, um rosto insiste em repetir-se em meio à multidão. Um homem, magro, alto e com cara de poucos amigos. Tom está inquieto. Seria muita coincidência dois homens seguirem a mesma direção, sentido e ritmo por uma rua inteira ou duas?
Ele não sabe responder mas seus passos o levam para dentro de um banco, onde ele trata de se colocar ao fim de uma fila, sequer olhando quem está nela.
Com a respiração arrítmica e um suor frio escorrendo pelo seu rosto, ele vira para trás, em direção à porta giratória. E aguarda. O homem estava há uns 10 metros dele. Ele entrará a qualquer momento. Seus olhos são dois pontos negros, encarando fixamente a porta giratória, ao som único e apavorante de sua respiração perturbada pelas batidas secas de seu coração, com seu sangue torridamente gelado e pensando em nada, pois nada lhe convém pensar.
Ele aguarda alguns instante e gradualmente recupera o fôlego e o sangue amorna-se novamente mas as batidas continuam a cortar-lhe o ouvido. Se o homem não entrou até então, ele provavelmente já foi embora. Só resta a Tom arriscar-se e sair novamente da segurança do banco para os perigos inimagináveis de uma rua cheia de estranhos.
Ainda de olhos fixos à porta, ele pisa um passo meio duro e depois outro e segue, encarnado-a, ganhando velocidade e aproxima-se lentamente da porta. Caminha como o homem condenado à forca, que vai em direção ao seu insólito destino, sem chance de voltar. A porta está à sua frente e quando Tom está a cinco passos dela, resolve acender um cigarro. Aliás, precisa acender um cigarro. Maldito vício!
Pára.
Com os olhos ainda fixos à porta e ignorando qualquer aviso de proibido fumar, enfia a mão no direito do paletó, pega o maço de cigarros e antes que possa sacá-lo do bolso, um som consegue ser alto o suficiente para interromper-lhe as batidas de perturbarem seus ouvidos e o distrai.
Seus olhos então desviam-se finalmente da porta giratória e ao olharem para dentro do banco, observam as pessoas, todas, deitadas ao chão. E dois homens armados o encaram junto à porta, visivelmente apressados e tensos. A insegurança exala de seus olhos miúdos de ladrões baratos e é cravada pelo leve tremular de suas mãos empunhando aquelas pistolas semi-automáticas roubadas.
Tom os observa atônito, imóvel. Impassível. Os homens parecem gritar com Tom, mas Tom não parece ouvi-los.
Encarando-os nos olhos, em um movimento brusco, ele puxa a mão do bolso, trazendo consigo o maço de cigarros.
E o som de tiros penetram-lhe o pensamentos. Quente, seco e dilacerante, sobrepujando-lhe o som da batida e rasgando-lhe o invólucro da alma e da ignorância.
Ele cai. Sentindo a vida vazar de seu corpo, ele ouve os gritos e choros assustados daquele lugar. Levando a mão para sobre seu corpo, sente algo transbordar de si, algo quente e vital.
Pela primeira vez em sua vida, Tomas Bernt sentiu a liberdade transbordando de seu corpo, numa sensação única em meio à mediocridade em que sempre se viu.
Antes que tudo aquilo acabasse, Tom riu-se.
E deixou que o sangue gelasse mais uma vez.
20041130
20041106
KORN FLAKES - Uma Lembrança.
Sei lá, ando muito saudosista. De vez em quando eu me reservarei no direito de publicar algo velho do KoRn Flakes que eu tenho aqui guardado. O de hoje é muito especial. E idiota. Afinal, o que era o koRn Flakes senão um blogue idiota?
Esse texto, uma crônica de uma dia real da minha vida é do dia dez de setembro de 2003.
O INCRÍVEL MUNDO DAS ERVILHAS ZUMBIS E OUTRAS HISTÓRIAS EXCÊNTRICAS.
Eu sou uma pessoa bastante distraída. Eu me distraio e me esqueço das coisas com uma velocidade assustadora. Pode ser efeito da água mineral natural sem gás. Mas o maior problema é que eu acabo falando demais ou agindo demais em momentos errados. Com pessoas erradas. Praticamente todo dia tem um "fora" novo que eu dou por aí. Eu sou o Rei dos Foras.
O mais recente foi esses dias. No centro de São Paulo, estava eu a procurar um suspensório bem bonito e divertido. Eu encontrei! Uma felicidade. Enquanto eu saía saltitante pelas ruas e esquinas cantarolando alguma canção ou hino de alegria extrema, na tentativa de compartilhar minha felicidade decido dar uma moeda a um mendigo. Eu quase nunca dou, nunca tenho grana, mas 25¢ não me fariam falta naquele meu momento de tamanho êxtase.
Numa calçada, aquelas com uma mureta que tem árvores, onde as pessoas se sentam, tinha lá, um de cada tipo: Um sem uma perna, outra com elefantíase, um ou dois cegos, outro com as perninhas engraçadinhas, enfim, uma desgraça ao lado da outra e eu escolhendo qual seria a premiada. E sentada ao lado de tudo isso, uma mulher, também com cara de cansada, com um carrinho de bebês com uma criança dentro. Aquele sol, a criança, o olhar cansado, porra, ela precisava mais de 25¢ do que qualquer outro. Ela tinha uma criança!
Me aproximo. Ela me fita. Eu sorrio. Estendo a mão, coloco a moedinha dentro do carrinho de bebê, jogo a moeda, dou um sorriso ainda maior com um olhar de propaganda de margarina. Aparentemente, ela não ficou feliz. Enfim, viro-me e vou saindo, com um ar de dever cumprido, feliz da vida porque eu ajudei, com pouca coisa, uma mulher necessitada. Dois passos vitoriosos me afastam da mulher.
- EU NÃO SOU MENDIGA NÃO! MAS QUE FILHO DA PUTA! - Pega a minha moeda, taca no chão com violência. Continua aos berros. - EU NÃO PRECISO DESSE SEU DINHEIRO DE MERDA! EU NÃO SOU MENDIGA!
Merda. Fodeu. A mulher estava sentada provavelmente descansando. Tinha uma loja em frente. Daquelas cheias de gente se acotovelando. Alguém deve ter entrado lá e ela ficou esperando a pessoa sair, já que ela com um carrinho de bebê não consegue entrar nesses lugares cheios. E eu piedosamente lhe dou 25¢. Eu saí, sem olhar pra trás, só apertei o passo e torci para que ela não tivesse um bumerangue.
Esse texto, uma crônica de uma dia real da minha vida é do dia dez de setembro de 2003.
Eu sou uma pessoa bastante distraída. Eu me distraio e me esqueço das coisas com uma velocidade assustadora. Pode ser efeito da água mineral natural sem gás. Mas o maior problema é que eu acabo falando demais ou agindo demais em momentos errados. Com pessoas erradas. Praticamente todo dia tem um "fora" novo que eu dou por aí. Eu sou o Rei dos Foras.
O mais recente foi esses dias. No centro de São Paulo, estava eu a procurar um suspensório bem bonito e divertido. Eu encontrei! Uma felicidade. Enquanto eu saía saltitante pelas ruas e esquinas cantarolando alguma canção ou hino de alegria extrema, na tentativa de compartilhar minha felicidade decido dar uma moeda a um mendigo. Eu quase nunca dou, nunca tenho grana, mas 25¢ não me fariam falta naquele meu momento de tamanho êxtase.
Numa calçada, aquelas com uma mureta que tem árvores, onde as pessoas se sentam, tinha lá, um de cada tipo: Um sem uma perna, outra com elefantíase, um ou dois cegos, outro com as perninhas engraçadinhas, enfim, uma desgraça ao lado da outra e eu escolhendo qual seria a premiada. E sentada ao lado de tudo isso, uma mulher, também com cara de cansada, com um carrinho de bebês com uma criança dentro. Aquele sol, a criança, o olhar cansado, porra, ela precisava mais de 25¢ do que qualquer outro. Ela tinha uma criança!
Me aproximo. Ela me fita. Eu sorrio. Estendo a mão, coloco a moedinha dentro do carrinho de bebê, jogo a moeda, dou um sorriso ainda maior com um olhar de propaganda de margarina. Aparentemente, ela não ficou feliz. Enfim, viro-me e vou saindo, com um ar de dever cumprido, feliz da vida porque eu ajudei, com pouca coisa, uma mulher necessitada. Dois passos vitoriosos me afastam da mulher.
- EU NÃO SOU MENDIGA NÃO! MAS QUE FILHO DA PUTA! - Pega a minha moeda, taca no chão com violência. Continua aos berros. - EU NÃO PRECISO DESSE SEU DINHEIRO DE MERDA! EU NÃO SOU MENDIGA!
Merda. Fodeu. A mulher estava sentada provavelmente descansando. Tinha uma loja em frente. Daquelas cheias de gente se acotovelando. Alguém deve ter entrado lá e ela ficou esperando a pessoa sair, já que ela com um carrinho de bebê não consegue entrar nesses lugares cheios. E eu piedosamente lhe dou 25¢. Eu saí, sem olhar pra trás, só apertei o passo e torci para que ela não tivesse um bumerangue.
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