20040625

Clara oo1

   A televisão passava imagens chatas. Atentados aqui, assaltos acolá, um novo sabão em pó.
   Afundada em seu sofá, Clara rodava os canais, entediada.
   Ultimamente, poucas coisas deixavam-na animada, realmente. Tudo era chato. E cinza. O mundo ao seu redor era tão preto-e-branco como se a claridade e a escuridão brigassem entre si, o tempo todo. Todo o tempo. Chato.
   Ouve-se nitidamente um som levemente agudo, vindo de lugar algum mas onipresente. Aos poucos, Clara vai ficando irriquieta. Desligou a tv. Olhou ao redor, o seu mundinho em preto-e-branco. Era engraçado como tudo se remontava de uma maneira diferente a cada vez que ela olhava. Ela se levantou e em meio à penumbra, pegou um copo e encheu de um café velho e frio. Tomou num gole só e cuspiu tudo na parede. Quanto tempo havia se passado desde que ela sentou-se naquela poltrona?
   Ela tomou o rumo da rua, agora em um passo afobado. Ela passou tanto tempo em frente à TV que ela esqueceu-se de viver. Só que lá fora encontrou um mundo igualmente cinza. Frio. Caótico. Voltou correndo para a segurança de seu lar.
   Clara queria se distrair. Clara pegou um livro para ler. Mas o livro estava com as páginas em branco. E um segundo livro também estava assim. E um terceiro, quarto. Todos. Em branco. Como se nada jamais tivesse sido escrito.
   Sua mente perdia-se em questionamentos. Cada nova questão parecia ser maior que a anterior. De repente, Clara correu até o espelho. Admirou a sua imagem, bastante deturpada. Tocou o rosto, procurando alguma sensação. Ela não sentia nada. De repente, viu seus olhos lentamente escurecerem. E o som contínuo, agudo, tornar-se mais e mais distante a cada segundo. E sua garganta fechar-se em um abraço vagueiro e esparso, tomando-lhe o ar e sufocando-a lentamente. Ela nada mais via. Nada mais ouvia. Nada mais sentia. Não.
   Clara acordou, em um impulso forte e desesperado. Ofegante, olhou ao redor, seu mundinho colorido e medíocre. Ela sorriu. Afundou as mãos no rosto, rindo sozinha. Em um momento de reflexão e auto-crítica matinal, Clara disse:
   -Sua filha da puta.