Na fria e escura São Paulo, num bar às 6h30m da manhã encontramos a nossa heroína.
Janete, tomando o seu tradicional café preto, puro, com açúcar e uma pitada de canela, sorri perante o jornal, tão fresco como o ar das montanhas Filipinas. Meia hora depois ela já está caminhando. Na pressa, esqueceu o jornal sobre o banco do boteco. Dane-se. Ela tinha mais o que fazer. Naquele belo dia, chuvoso e cinzento, ela encontraria o homem da sua vida.
Conheceu-o por acaso. Ele tinha mandado uma carta ao jornal reclamando do excesso de ativistas malas que reclamam de tudo. E o jornal publicou! Sensacional. Janete pensou: "Putz, é ele!". Respondeu no endereço indicado e pronto: Eles começaram a se corresponder por cartas.
Ele morava em São Caetano. Janete achava que era uma cidade de bosta, mas seu conceito melhorou, sabe-se lá o porquê. Era próximo demais pra ser verdade. E por isso mesmo, Janete e Tomas decidiram mutuamente e telepaticamente por não se encontrar antes do tempo. Janete achava tudo o máximo. O mistério. Todo aquele suspense. E o dia havia chegado.
Eles haviam marcado cedo para aproveitarem bem o dia. Janete tinha lhe comprado meia dúzia de charutos. "Cubanos e dos bons, dona, enrolado nas coxas de cubanas fartas", disse o homem da barraquinha. Ela fez que acreditou, mas no fundo sabia que no mínimo foi uma puta qualquer com varizes e tudo, que enrolou um tabaco vagabundo com papel machê. Mas eram lindos. Afinal, o que mais dar a um homem com um gosto tão refinado e provavelmente com mais discos que poderia contar. "Charutos", ela pensou. E charutos ela comprou.
Tinham marcado num shopping, às 10h30m. Ia estar mais vazio. E ainda assim seria mais seguro. Mas ainda faltava uma hora e pouco pro encontro. Janete estava ansiosa e constrangida. "Que coisa ridícula, namoradinho por carta". Mas ela sabia que ele não era apenas um namoradinho. E que aquelas cartas representavam o amor de um ao outro, aos cuidados de perfumes borrifados e todas essas breguices. E Janete estava exatamente como disse que estaria: camiseta vermelha com uma estampa da velha Joan, calças jeans e uma flor na cabeça. Um cravo negro. Tomas disse que se aproximaria dela assim que a reconhecesse. Ela gostou que fosse dessa maneira. O suspense ficava maior. E enfim, o shopping abriu. Ela entrou correndo e sentou-se no banco em frente à livraria, como eles haviam combinado. Tudo lindo. Em menos de uma hora, ela e Tomas se conheceriam. Enfim.
Um homem feio, alto, meio ranzinza se aproxima dela. Ele a faz uma pergunta. "Atrás de você", responde ela, aliviada de que aquele homem burro não era Tomas. Enquanto ainda se diverte, ela nota um homem bonito a observando, ao longe.
O homem a fita, fixamente. Ela sente um certo constrangimento.
O homem se dirige rapidamente em direção a ela.
Seus passos longos e rápidos, quase ritmados, lembravam vagamente um trotar. Coisa engraçada, ela pensou depois.
E ela continua fazendo-se de interessada no livro. Para não deixar claro sua afobação. E uma voz a diz:
-Janete?
Ela olha, sorrindo. Era ele! Ela sabia que era ele!
-Tomas?
Ele sorri em resposta. A segura pelo braço e diz:
-Temos que sair daqui.
-Mas...?
E ela é puxada por Tomas, que a leva rapidamente para seu carro. "Como ele dirige rápido" ela pensou. E no carro, ele não dizia uma palavra. Estava muito compenetrado.
O carro pára. Janete não sabe que local é aquele. É longe pra caramba. Muito isolado e Janete sente um frio na espinha. Tinha algo estranho acontecendo.
Ele desce do carro, e segundos após, abre a porta do passageiro:
-Que bom te encontrar. Venha.
E leva Janete para dentro daquela casa. Janete está apavorada. "Que merda tá acontecendo?".
-Não se preocupe. Não vai te acontecer nada. Só venha comigo, por favor. Rápido.
-Eu te comprei charutos.
-Charutos? Eu adoro charutos! Como adivinhou? Acho que você é você mesmo.
-óqueei... mas espera.
-que é?
-Pra onde tá me levando? Por que a pressa?
Tomas nada responde. Entra por uma porta, por duas e descem, descem muito. "Pros quintos dos infernos" pensa Janete. E continuam a descer.
Param em um lugar escuro, silencioso e com uma única porta a frente. Entram, obviamente.
Lá, um brilho intenso acometia toda a sala. E nessa momento Tomas largou de sua mão, deixando Janete desnorteada. Ele a chama e ela guia-se por sua voz.
Quando seus olhos acostumam-se à claridade, Janete vê uma espécie de caverna. E ao longe, mais uma vez, está Tomas. Ele a chama para perto de si.
-Janete, olhe para este espelho. E me diga o que você vê.
-Oras, eu me vejo.
-Veja além, preste atenção. Olhe cuidadosamente. Eu sei que é você.
E Janete fita-se por alguns minutos. Em silêncio. Sua imagem às vezes parece dançar.
Tomas chama-lhe a atenção mais uma vez.
-Toque-o.
E assim que Janete aproxima-se do espelho para tocá-lo; ela sente vibrações vindo do espelho, como se fosse um campo mágico. Esse espelho tinha realmente algo incomum e ela não quer tocá-lo pois sabe o que vai acontecer. Mas sua ansiedade e curiosidade a instigam para tal. Aproxima a mão lentamente e toca a superfície com a ponta dos dedos. Então pressiona com a palma da mão.
-É sólido.
Ao pronunciar essas palavras, Janete ainda tem tempo de ver atrás de si Tomas com suas cartas em uma das mãos, um olhar apaixonado e uma pistola na outra mão.
-Eu te amo, Janete.
BUM!