Desde que podia se lembrar, Valdir acreditava que podia ver além do que os seus olhos podiam mostrar. Revelar a verdadeira índole por trás de ações e das aparências. Já gostava ou não de alguém logo de cara. Ou levava algum tempo porém facilmente "lia" a pessoa e sabia se deveria confiar nela. Achava tudo isso muito prático porque poupava seu tempo em todos os aspectos de sua vida. Acreditava ter um dom que não poderia mudar muito a sua vida ou de qualquer outro, mas desde que aquilo simplificasse sua vida, ele estava feliz. Tornou-se tão dependente dessa visão extraordinária que às vezes não se contentava e comentava com os amigos sobre suas opiniões sobre essa ou aquela pessoa e, com o tempo, tudo se confirmava, como se Valdir tivesse lido o final da história antes de todo mundo. Numa vulgar exibição de seus poderes.
Certo dia, Valdir estava entre aqueles que ele tinha como amigos. Surgiu a propícia idéia da brincadeira: uma pessoa fecharia o olho e confiaria totalmente numa outra pessoa que de olhos abertos a guiaria por alguns minutos. Quando você tem um pouco mais de álcool, qualquer idéia idiota parece algo plenamente divertido.
Valdir fez dupla com Suzana, quem ele considerava ser uma grande amiga. Suzana fechou os olhos. Mais bêbada que normalmente, sentia a ansiedade daquele momento só aumentar e aumentar sua sede. Valdir a guiava da melhor maneira que podia e achava absurdo como ela era insegura e burra, não conseguia seguir em linha reta, nem com ele segurando em seu braço e dizendo-a em seu ouvido o que fazer. Ou não. Já se imaginava tendo de ser "guiado" por Suzana, sabia que o faria bem. Andar com os olhos fechados é bastante fácil.
Então, alguém determinou que era a hora de trocar de pares. Valdir olhava curioso para as pessoas que abriam seus olhos com alívio e gargalhavam. Ele sentia-se muito bem, não estava nem um pouco alterado. Bebera pouco. Em compensação, a maior parte do grupo estava alterado o suficiente. Suzana nem tanto, mas sabia que como era independente e auto-suficiente, ela estaria ao seu lado apenas por convenção, ele poderia seguir sozinho de qualquer maneira.
Fechou os olhos e caminhava firme enquanto Suzana tentava acompanhá-lo, trôpega e num estado que tudo parece ser o eco de alguma outra coisa. Valdir realmente guiava o caminho e não o contrário. Suzana nem notou isso. Acho que se a perguntassem, ela não saberia dizer o que fazia ou onde estava.
Já Valdir seguia com segurança, inabalável. Sabia que apesar de todos estarem meio distraídos, perceberiam a sua capacidade incomparável de andar de olhos fechados. Valdir estava um pouco alto mesmo, mas só o suficiente para realçar sua personalidade e não transbordá-la em bobagens e vômito.
Novamente, era o fim da brincadeira. Todos sorriam, gargalhavam até. É fácil ser o guia. No entanto, é mais complicado quando você é aquele que não pode ver. Os primeiros que estavam com os olhos fechados ouviam os comentários dos que acabaram de fazê-lo com um ar de superioridade e experiência desnecessário e típico. Valdir também se ria, mais pela companhia e conveniência do momento do que porque achava aquilo tudo realmente engraçado. Estava confuso. Muito confuso. Não conseguia abrir os olhos.
Só foi se dar conta quando Suzana dirigiu-se a ele e gritou como se acabasse de ver a mais disforme das criaturas. Ela gritava, gritava, chorava. De repente, ela estava desesperada.
Os olhos castanhos de Valdir agora eram de um cinza opaco e vazio. Valdir estava cego. Tudo ainda estava escuro como quando fechou os olhos. Por um momento lá, sua confiança foi abalada gravemente, não conseguia mais pensar. Caiu no chão, encolheu-se, dormiu e acordou no hospital por onde ficou por longos dois meses. Não sabia mais diferenciar quando estava de olhos abertos ou fechados. Assim como quando se repete uma palavra por demasiado tempo e a mesma fica vazia de sentido ou emoção eram os olhos de Valdir, agora. Abertos, fechados, abertos, fechados, abertos, fechados, fechados, abertos, abertos, abertso, abreots, abortes, fechados, fecahdos, fochedas, abertos. Fechados.
Ficou meses tentando recuperar-se do trauma. Clinicamente seus olhos estavam mortos, sem razão. Assim o haviam dito. E assim também estava sua alma. E sua confiança. Não conseguia mais se aproximar das pessoas, isolou-se em casa. Seu "dom" agora não o servia de nada. Estava miserável em seus ânimos.
Um ano e dois meses depois do ocorrido, Valdir acordou e seus olhos permaneciam fechados. Porém, ouvia perfeitamente diálogos do vizinho com a esposa. E sentia que sua sensibilidade aguçada voltara à atividade, de alguma forma. Quando Suzana veio visitá-lo, Valdir poderia dizer com exatidão em que lugar da casa ela estava antes de ir para seu quarto e quando entrara, pela sua respiração sabia que estava feliz em vê-lo mas ainda tão preocupada. Ela sentia-se culpada. Isso já estava um tanto que claro já que ela nunca falava com ele, como se em resposta à sua repentina cegueira, Suzana tornar-se-ia muda. Quando ela sentou-se ao seu lado, Valdir tocou-a no braço e conseguia ouvir o que ela pensava sem ela falar qualquer uma daquelas coisas. Naquele momento foi quando Valdir convenceu-se de algo que ele já suspeitara e só hoje ficou claro.
Valdir tinha ampliado sua sensibilidade. Agora tinha algo próximo de super-poderes. Dentre eles, conseguia ler mentes.
Foi a primeira vez em um ano e dois meses que Valdir sorriu e sentiu-se alegre, realmente. Abraçou Suzana que nada disse e não havia dito nada até então, realizado. Ao mesmo tempo em que gozava de uma alegria rara, indagava-se e respondia a si mesmo o que ele poderia fazer com tão incrível poder. Pensou em dominação mundial, afinal, uma mente lida é uma mente sob controle no mais livre dos aspectos. E com este aspecto, o resto seria conseqüência, uma conseqüência ambiciosa e lucrativa, que o tiraria daquela miséria em que vivia inserido em.
O que a sensibilidade anormal, o ego inflado e a ganância de Valdir não o deixavam ver era que Suzana, por cerca de um ano já, na verdade era Brigite, um travesti viciado e enviado por Suzana para limpar e alimentar Valdir, numa isenção de culpa típica dos seres humanos em troca de um dinheiro pouco que Brigite gastava com cocaína e ácido.
Sorrindo, Valdir abraçava Brigite, extremamente grato por Suzana estar ali, com ele.
Certo dia, Valdir estava entre aqueles que ele tinha como amigos. Surgiu a propícia idéia da brincadeira: uma pessoa fecharia o olho e confiaria totalmente numa outra pessoa que de olhos abertos a guiaria por alguns minutos. Quando você tem um pouco mais de álcool, qualquer idéia idiota parece algo plenamente divertido.
Valdir fez dupla com Suzana, quem ele considerava ser uma grande amiga. Suzana fechou os olhos. Mais bêbada que normalmente, sentia a ansiedade daquele momento só aumentar e aumentar sua sede. Valdir a guiava da melhor maneira que podia e achava absurdo como ela era insegura e burra, não conseguia seguir em linha reta, nem com ele segurando em seu braço e dizendo-a em seu ouvido o que fazer. Ou não. Já se imaginava tendo de ser "guiado" por Suzana, sabia que o faria bem. Andar com os olhos fechados é bastante fácil.
Então, alguém determinou que era a hora de trocar de pares. Valdir olhava curioso para as pessoas que abriam seus olhos com alívio e gargalhavam. Ele sentia-se muito bem, não estava nem um pouco alterado. Bebera pouco. Em compensação, a maior parte do grupo estava alterado o suficiente. Suzana nem tanto, mas sabia que como era independente e auto-suficiente, ela estaria ao seu lado apenas por convenção, ele poderia seguir sozinho de qualquer maneira.
Fechou os olhos e caminhava firme enquanto Suzana tentava acompanhá-lo, trôpega e num estado que tudo parece ser o eco de alguma outra coisa. Valdir realmente guiava o caminho e não o contrário. Suzana nem notou isso. Acho que se a perguntassem, ela não saberia dizer o que fazia ou onde estava.
Já Valdir seguia com segurança, inabalável. Sabia que apesar de todos estarem meio distraídos, perceberiam a sua capacidade incomparável de andar de olhos fechados. Valdir estava um pouco alto mesmo, mas só o suficiente para realçar sua personalidade e não transbordá-la em bobagens e vômito.
Novamente, era o fim da brincadeira. Todos sorriam, gargalhavam até. É fácil ser o guia. No entanto, é mais complicado quando você é aquele que não pode ver. Os primeiros que estavam com os olhos fechados ouviam os comentários dos que acabaram de fazê-lo com um ar de superioridade e experiência desnecessário e típico. Valdir também se ria, mais pela companhia e conveniência do momento do que porque achava aquilo tudo realmente engraçado. Estava confuso. Muito confuso. Não conseguia abrir os olhos.
Só foi se dar conta quando Suzana dirigiu-se a ele e gritou como se acabasse de ver a mais disforme das criaturas. Ela gritava, gritava, chorava. De repente, ela estava desesperada.
Os olhos castanhos de Valdir agora eram de um cinza opaco e vazio. Valdir estava cego. Tudo ainda estava escuro como quando fechou os olhos. Por um momento lá, sua confiança foi abalada gravemente, não conseguia mais pensar. Caiu no chão, encolheu-se, dormiu e acordou no hospital por onde ficou por longos dois meses. Não sabia mais diferenciar quando estava de olhos abertos ou fechados. Assim como quando se repete uma palavra por demasiado tempo e a mesma fica vazia de sentido ou emoção eram os olhos de Valdir, agora. Abertos, fechados, abertos, fechados, abertos, fechados, fechados, abertos, abertos, abertso, abreots, abortes, fechados, fecahdos, fochedas, abertos. Fechados.
Ficou meses tentando recuperar-se do trauma. Clinicamente seus olhos estavam mortos, sem razão. Assim o haviam dito. E assim também estava sua alma. E sua confiança. Não conseguia mais se aproximar das pessoas, isolou-se em casa. Seu "dom" agora não o servia de nada. Estava miserável em seus ânimos.
Um ano e dois meses depois do ocorrido, Valdir acordou e seus olhos permaneciam fechados. Porém, ouvia perfeitamente diálogos do vizinho com a esposa. E sentia que sua sensibilidade aguçada voltara à atividade, de alguma forma. Quando Suzana veio visitá-lo, Valdir poderia dizer com exatidão em que lugar da casa ela estava antes de ir para seu quarto e quando entrara, pela sua respiração sabia que estava feliz em vê-lo mas ainda tão preocupada. Ela sentia-se culpada. Isso já estava um tanto que claro já que ela nunca falava com ele, como se em resposta à sua repentina cegueira, Suzana tornar-se-ia muda. Quando ela sentou-se ao seu lado, Valdir tocou-a no braço e conseguia ouvir o que ela pensava sem ela falar qualquer uma daquelas coisas. Naquele momento foi quando Valdir convenceu-se de algo que ele já suspeitara e só hoje ficou claro.
Valdir tinha ampliado sua sensibilidade. Agora tinha algo próximo de super-poderes. Dentre eles, conseguia ler mentes.
Foi a primeira vez em um ano e dois meses que Valdir sorriu e sentiu-se alegre, realmente. Abraçou Suzana que nada disse e não havia dito nada até então, realizado. Ao mesmo tempo em que gozava de uma alegria rara, indagava-se e respondia a si mesmo o que ele poderia fazer com tão incrível poder. Pensou em dominação mundial, afinal, uma mente lida é uma mente sob controle no mais livre dos aspectos. E com este aspecto, o resto seria conseqüência, uma conseqüência ambiciosa e lucrativa, que o tiraria daquela miséria em que vivia inserido em.
O que a sensibilidade anormal, o ego inflado e a ganância de Valdir não o deixavam ver era que Suzana, por cerca de um ano já, na verdade era Brigite, um travesti viciado e enviado por Suzana para limpar e alimentar Valdir, numa isenção de culpa típica dos seres humanos em troca de um dinheiro pouco que Brigite gastava com cocaína e ácido.
Sorrindo, Valdir abraçava Brigite, extremamente grato por Suzana estar ali, com ele.