Naquela manhã, ele encara o jornal, recém-comprado com cheirinho de gráfica ainda, ansioso, meio trêmulo. Um frio na barriga corta-lhe a mente.
-Calma, Tomas - ele diz pra si mesmo - é só uma carta no jornal. Que foi publicada ou não.
E se foi? E se lá estiver a carta dele? A opinião dele, exposta pra milhões de pessoas, quem sabe bilhões? Todos concordando plenamente com sua opinião e dizendo "puxa, esse cara é bom!". Mas e se não? Estaria Tomas condenado ao eterno ostracismo, a ser só mais um ninguém na multidão? Ou pior, a carta ter sido publicada, porém tão recortada e editada que suas palavras soem de maneira esdrúxula e deturpadas a ponto de não serem mais suas palavras, mas daquele editor nojento. No mínimo deve ser um estagiário, estágiário nojento, escroto de merda, logo vai dar pra notar que a presença dele naquela redação é totalmente dispensável e ele vai pro olho da rua, não antes de implorar por mais uma chance ao chefe, dar o cu pra ele e ainda ser demitido. Bem-feito. Na minha carta ninguém mexe.
Tomas então, toma coragem e abre o jornal. Corre pra seção de cartas. Lá está ela, do jeito que ele a escreveu!
"Caros senhores,
venho por meio desta demonstrar
minha insatisfação perante estes
rapazotes que ocupam o tempo de
vocês reclamando sobre este ou
aquele assunto de não grande
relevância à sociedade em geral.
Grato,
Tomas Bernt."
-Bom praquele estagiário. - diz, soltando uma densa fumaça de seu charuto.
Em casa, Tomas gostava de fumar charutos de vez em quando, principalmente pela manhã. Na rua, só cigarros mesmo. Ele sempre soube que aquilo o mataria, cedo ou tarde. Mas ele queria sentir-se vivo. Fumou, bebeu e trepou. Ultimamente, mais fuma e bebe do que trepa. Isso é resultado da vulgaridade de sua vida sem significância. No fundo, Tomas sabe que é ordinário, como um figurante de um filme de ação. Enquanto os mocinhos vivem tendo ação, Tomas só está lá, ao fundo, não podendo olhar pra câmera, nem fazer nada fora do comum para não se sobressair demais, apenas lendo um jornal enquanto fuma um charuto mas ele prefere esquecer isso, prefere pensar que algum dia ele vai ser grande. Que ele vai ter o seu momento.
Ele não sabe bem como isso vai acontecer, mas ele tem grandes talentos. Além de saber ler e escrever, ele sabe apreciar um bom charuto, por exemplo. Muitos dizem que Tomas é desajustado, meio retardado mesmo. Porém, tudo não passa de um pouco de psicose, disfunção de personalidade e mania de perseguição. E isso não o impedirá de, por exemplo, ser o maior Conhecedor e Apreciador de Charutos, que ainda sabe ler e escrever! Puxa, ele pode até ver as manchetes e reportagens, em revistas ao redor do mundo, em cada cidadela de merda. "Tomas Bernt Recomenda: Os Melhores Charutos da Estação - Matéria lida e escrita pelo próprio". Puxa, isso vai ser grande!
Após cerca de uma semana a contar da data daquele jornal, hoje a edição mais importante de todos os jornais, pois continha seu nome, Tomas recebe uma carta, direto das mãos do carteiro com um cheirinho de perfume de mulher. Um frio na barriga se une ao pensamento do óbvio: É carta de mulher. Ou travesti. E se for de um travesti? Vai, algum travesti leu a sua carta e por alguma razão ficou interessado naquele garotão, bonitão, de opinião máscula e forte, escrita bonita e muito culta, de um humor sem igual, uma fina ironia jamais vista! E considerando os fatos, esse travesti deve ser o carteiro. Mas é lógico! O carteiro deve ter ficado esperando ali na vizinhança por Tomas sair no portão, para assim vir e entregar a carta em suas mãos. Agora provavelmente ele deve estar esperando em algum lugar escondido, observando Tomas cheirar aquela carta, provavelmente se masturbando e desejando aquela carne branca.
-Que nojo.
Mas e se for de uma mulher, uma mulher inteligente, culta, seios fartos e ninfomaníaca, um poço de sexo desesperada por aquele homem, porque ela ficou molhada apenas de ler sua carta enquanto participava de um ménage-à-trois naquela mesma manhã da publicação da carta. Entre um gozo e outro deve ter pegado papel e caneta, escrito a carta e a esfregado em suas genitálias, sedentas por Tomas. Mas o cheiro era de perfume e não de buceta. Tomas conclui que é melhor olhar o remetente.
O nome era Mourato. Janete Mourato. Um bonito nome. Mas não parece o nome de uma ninfomaníaca. E que curioso, ela mora em São Paulo, tão próximo de sua cidade, São Caetano do Sul.
De repente, ela é a mulher da sua vida. É, ela deve ser a mulher da sua vida! Ele lê a carta e sente uma vontade incontrolável de respondê-la. Só que ele no momento não tem papel, caneta ou sequer envelopes. Tranca sua casa e sai pela rua. Seus passos longos e rápidos, quase ritmados, lembram vagamente um trotar. Ele caminha por ruas abarrotadas de pessoas. E tem a clara certeza de estar sendo perseguido. Seu passo passa de ritmado para desesperado e ele sai caminhando apressado. A papelaria é coisa de oito quarteirões de sua casa, mas ele deveria ter pegado o carro. Pelo menos ninguém o perseguiria. Ninguém a pé. Só se viesse um carro. Um carro poderia persegui-lo, e ele teria de dirigir muito rápido, para assim despistá-lo. Assim como ele corre agora.
Seus pensamentos correm mais rápido que seu corpo, no entanto, ele então chega à papelaria, entra, ofegante, e se mantém ao fundo da loja, misturado às pessoas, encarando a porta, esperando pelo perseguidor. Sua concentração é interrompida por um cutucão.
-Em que posso ser útil?
-..envelope. Papel. Caneta.
-Pois não, senhor. O senhor parece que vai mandar uma carta. Quer selos?
-Sim.. ã, por favor. - diz Tomas puxando o maço de cigarros do bolso direito de seu paletó. Segurando um cigarro nos lábios, leva o isqueiro à altura do rosto e antes que tenha chance de acendê-lo, é interrompido por outro cutucão, mais uma vez.
-Senhor, é proibido fumar aqui.
-Ah, desculpe, diz Tomas em um tom arrependido, guardando o isqueiro e amassando o cigarro com a mão esquerda. Estou tentando me livrar do vício.
Até parece, pensa consigo, satisfeito.